19/11/08

MIC - Aula 6

SECÇÃO 3:
ANÁLISE DE DADOS QUALITIATIVOS E QUANTITATIVOS
I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1.2 Etnografia
1.3 Análise de discurso

A etnografia é uma metodologia de investigação que é simultaneamente o produto da investigação. Por outras palavras, uma descrição escrita de uma cultura com base nos resultados do trabalho de campo. Podendo ser tanto qualitativa como quantitativa, é normalmente qualitativa. Surge no sentido de perceber como é que as pessoas lidam com determinado ambiente. O trabalho etnográfico está carregado de documentação visual: antropologia da urgência fala-nos de uma necessidade de preservar através da imagem uma forma de qualquer coisa que seja. Um problema surge no trabalho etnográfico: como sou capaz de viver numa determinada cultura e ao mesmo tempo distanciar-me dela, o meu objecto de estudo? Não sendo possível encontrar culturas isoladas ou isolarmo-nos das mesmas, os investigadores voltam-se para o estudo das suas próprias culturas.

A análise etnográfica propôe-se a descobrir as estruturas de significado disponíveis, sistematizar a realidade que caracteriza e distingue o grupo, tornar a realidade do grupo inteligível e mais disponível para considerações. Fala-se também de etnografia virtual, em que se analisa a cultura de determinada comunidade online, por exemplo, ou de utilizadores de um jogo.

Tudo o que forma uma comunidade desenvolve uma cultura própria possível de ser estudada e é possível caracterizar a cultura de determinado grupo. Assim, qualquer prática organizada permite a realização de um estudo etnográfico.

Existem dois tipos de etnografia. Em primeiro lugar, a descritiva ou convencional, que se centra na descrição das comunidades ou grupos, procura descobrir padrões, tipologias e categorias através da análise. E a etnografia crítica, que estuda factores macro-sociais, como o poder, examinando pressupostos comuns e "agendas escondidas"; procura levar a cabo uma mudança e tem objectivos políticos, como dar voz aos desfavorecidos, chamar a atenção para uma dada situação social, etc.

As etapas de um estudo etnográfico passam por procurar uma amostra adequada de entre o grupo em estudo, definir depois o probema, assunto ou fenómeno a explicar, examinar a forma como os indivíduos interpretam a situação e o significadoo que lhe dão, descrever as acções dos indivíduos e a forma como comunicam, documentar o processo etnográfico, monotorizar a implementação do processo e fornecer informação que sustente a explicação dos resultados da investigação.

O texto de uma investigação etnográfica é o equivalente a uma literatura de viagem. Por vezes, é necessário fazer a triangulação, de forma a que se cruze determinados registos sobre um assunto, de forma a ganhar objectividade.

A amostragem de um estudo etnográfico realiza-se através da escolha de um grupo específico de acordo com o propósito de cada estudo. A selecção é feita de acordo com critérios específicos e deve também proceder-se à selecção de informadores-chave sobre o grupo em questão, assim como ter-se em conta a amostra no que respeita ao tempo e ao contexto em que se insere.

A investigação etnográfica compreende um certo número de limitações e problemas: em primeiro lugar, exige tempo e empenho por parte do investigador. Pode ser cansativa e frustrante quando a integração no grupo é dificultada e nem sempre é fácil para o investigador colocar-se na posição do "cultural stranger". Por outro lado, a investigação etnográfica não pode ser generalizada de um modo simplista.

A observação etnográfica levanta questões éticas, entre elas questões relativamente à possibilidade de estudar um comportamento em determinado contexto ou se é ético ou não estudar o comportamento de determinado grupo em determinado contexto. Os registos de observações etnográficas são notas de campo, que envolvem a descrição, relatos, etc de contextos, pessoas, acções, actividades individuais, comportamentos, significados e perspectivas.

Um exemplo de estudo etnográfico são os "digital natives", ou seja, pessoas que já nascem na era digital e por isso formam dimensões da cultura diferentes das nossas e que é interessante estudar. A análise de discurso bem como a etnografia são muito aplicadas ao contexto das organizações.

Em relação à análise de discurso, existem várias correntes que defendem várias análises de discurso. Em primeiro lugar, a "speech act theory", que coloca a ênfase nos aspectos da acção social e da linguagem, tentando perceber em que medida as palavras nos levam a determinadas acções. Em segundo lugar, a etnometodologia, que se focaliza na forma como as pessoas utilizam a linguagem no dia-a-dia de forma a fazerem sentido no seu mundo: trata-se da partilha de significados comuns, sendo que a conversa só faz sentido se houver entendimento entre os intervenientes. Temos muitos implicitos culturais nas formas como agimos e o sentido da palavra extrai-se a partir doutras dimensões. Em terceiro lugar, a semiótica social e hermenêutica, ou seja, a multiplicidade de sentidos de determinado texto.

Foucault fala de constrangimentos do discurso, ou seja, constrangimentos de dimensões simbólicas do próprio discurso. Por exemplo o discurso da ciência constrange determinados comportamentos.

A análise de discurso define-se pelo facto da linguagem realizar uma série de funções no mundo para além da simples representação no mundo. O discurso é definido como um sistema de afirmações que constrói um objecto, suporta instituições, reproduz relações de poder e tem efeitos ideológicos (Parker, 1990).

Como pressupostos, a análise de discurso prevê uma linguagem orientada para a acção/ função, afirmando que as pessoas utilizam uma linguagem intencional para construir relatos ou versões do mundo social. Este processo activo de construção é demonstrado na variabilidade da linguagem (o conceito de variabilidade é fundamental para a análise, já que o discurso varia sistematicamente dependendo da função que lhe está a ser exigida que realize. Trata-se, no fundo, de uma visão da linguagem como lugar de construção do mundo social.

No que respeita à metodologia, a análise de discurso pode ser realizada com textos formais ou informais: a amostragem não é fundamental pois o interesse reside na forma como a linguagem é utilizada: grandes variações com padrões linguísticos podem emergir de um pequeno número de pessoas. Os repertórios interpretativos têm implicação na acção e são empregues em análise de discurso. Trata-se de descobrir como o texto está estruturado de forma que nos convença e ver daí implicações que nos conduzam pela nossa análise.

A instância accional define que toda a comunicação é uma acção simbólica e social: o sujeito usa sempre a linguagem, seja para ordenar ou para pedir. Para identificar a pessoa que ocupa o sujeito da acção devemos questionar-nos sobre quem fala, que posição tem diante do interlocutor e o que objectiva. Na análise do discurso é fundamental pensarmos o que um discurso constroi, que actores e relações existem, que dimensões estão presentes e nas metáforas e hipérboles que reforçam os processos.

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