21/11/08

Counting Contents

Na análise qualitativa, podemos querer estabelecer a frequência com a qual algumas histórias aparecem na imprensa ou o nível a que estão ligadas a determinada perspectiva. Queremos assim ter uma visão panorâmica larga do fenómeno que estudamos, olhando de perto a estrutura de uma qualquer história de jornal, para ver como as palavras, frases e parágrafos interagem de forma a privilegiar um significado particular para o evento. É como se pusessemos um texto ou parte dele ao microscópio de forma a revelar formas que muitas vezes não vemos.

Esta pesquisa pode ser levada a cabo de diferentes métodos, nunca se devendo temer a utilização de métodos diferentes ou ângulos de abordagens distintos no mesmo problema: o ecletismo metodológico traz benefícios ao estudo. Os métodos quantitativos ganham valor quando utilizados com outros que têm um grau mais qualitativo.

O termo análise de conteúdo cobre qualquer método que dia respeito ao acto de analisar um qualquer conteúdo mas também, de outro ponto de vista, diz respeito a uma particular perspectiva específica. Berelson descreve como uma "técnica de pesquisa que leva a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação." Coloca-se o ênfase na objectividade do observável e foi desenhada para trazer o rigor e a autoridade dos métodos naturais ao estudo do fenómeno urbano e social. O segundo ímpeto que teve a análise de conteúdo prendeu-se com o crescimento e a influência das indústrias de media de massas: antes acreditava-se que as massas estavam grandemente expostas e eram muito influenciáveis pelas mensagens dos média. Estas técnicas transformam-se então em maneiras de analisar as arenas simbólicas da cultura de massas e em particular de detectar a presença e a influência da propaganda.

Max Weber propôe uma nova sociologia da imprensa baseada na análise dos jornais, os quais deveriam ser medidos de forma pormenorizada com "tesouras e compassos", de forma a medir as alterações quantitativas nos conteúdos do jornal. O domínio da análise de conteúdos torna-se assim a comunicação e os estudos culturais por excelência, propondo-se a quantificar aspectos salientes e manifestos de um grande número de textos e a estatística usada de forma a conseguir fazer-se inferências relativas aos processos e políticas de representação.

Definir as nossas preocupações

É preciso estar certo desde o início acerca do que nos interessa e do que estamos a investigar: a análise de conteúdo é um método extremamente directivo, dando respostas a perguntas que colocamos. Assim, o resultado vai apenas confirmar, qualificar ou reprovar as perguntas inicias. Uma vez que a análise de conteúdo procura criar uma "big picture", definindo padrões, tendências e ausências de um largo número de textos, lida bem com a massividade dos mass media, podendo levar a conclusões políticas essenciais.

Contudo, a análise de conteúdo tende a "passar" pelo texto e não a "entrar" no texto e por esta razão este método não se coaduna com o estudo de questões mais profundas acerca das formas discursivas e textuais. Não serve para expor nuances retóricas ou estéticas de cada texto.

Um exemplo de um estudo onde se poderia recorrer à análise de conteúdo: existirão disparidades graves entre a representação da actividade criminal na imprensa e o nível de crime na sociedade?

Amostragem

Os estudos de análise de conteúdos podem ter como objecto apenas um texto, relevante para cumprir os objectivos. Muitos requerem o desenvolvimento de uma estratégia de amostragem, sendo necessário definir primeiro a gama de conteúdo sobre o qual queremos fazer inferências. Queremos ver apenas imprensa ou também ficção? E dentro da ficção, todos os géneros? Estes assuntos devem estar claros desde o início pois eles vão guiar a estratégia de amostragem e circunscrever as eventuais inferências que se desenha.

Em segundo lugar, precisamos de definir a unidade de amostra: alguns estudos são muito específicos e analisam a palavra ao pormenor em cada texto; outros são mais lados e analisam temas ou ideias. Uma vez escolhida, a unidade de amostra constitui o anfitrião para todos os elementos textuais que vão ser depois quantificados. Algumas unidades de amostra são dificeis de determinar: não existem respostas certas ou erradas para este tipo de dilemas , é necessário apenas fazer uma opção firme e levá-la até ao fim do estudo.

Em terceiro lugar, a quantidade de população que é preciso analisar de forma a construir uma amostra credivel e representativa. Em primeiro lugar, pensando quanto para trás ou para a frente queremos analisar a informação: o ideal seria extender o tempo ao máximo mas muitas vezes existem problemas de arquivo. Podemos recolher a amostra à medida que investigamos mas é um processo mais moroso e arriscado. Por outro lado, devemos ver qual a extensividade da população que queremos analisar: vamos falar com todos os elementos da população? O benefício de seleccionar é que reduz a logística da investigação mas por outro lado corre-se o risco de comprometer a representatividade da amostra.

Relativamente à amostragem, quanto mais, melhor. Mas muitas vezes o investigador tem que se limitar ao que é "fazível" e não ao que é "desejável".

Decidir o que contar

Esta estádio exige um planeamento cuidado e alguma imaginação uma vez que não existe uma lista standard do que deve ser contado. O que contamos deve sempre ser determinado pelos nossos objectivos e o nosso objectivo é responder às perguntas que fizemos. Nunca se deve contar coisas apenas por contar: se não se consegue dar um uso à variável, devemos livrar-nos dela. Devemos também perguntar-nos até que ponto determinada variável é passível de ser contada. A categorização por exemplo de "ironia" requer um julgamento baseado numa análise detalhada de estruturas de cada texto. De uma forma geral, a análise de conteúdo não funciona quando é preciso ler entre linhas.

Para saber o que contar temos que regressar aos objectivos do nosso estudo. Alguns items que poderiam ser quantificados na análise do crime, por exemplo, seriam: o meio onde a notícia é apresentada, o lugar do item no programa ou jornal, o tamanho, a idade dos intervenientes, o género dos intervenientes, a etnia, a idade das vítimas, o seu género, etnia e os crimes mencionados.

Regra geral devemos quantificar quem aparece no artigo, ou seja, os actores da história, que têm um papel decisivo na mesma. A forma como aparecem na história e a sua apresentação e factores avaliativos da sua intervenção na história, sendo esta uma premissa difícil de conseguir sem antes estabelecer as definições.

Decidir acerca de critérios de qualificação

É importante agora decidir quanto ao critérios de classificação das unidades da nossa amostra. Que tipo de crimes devemos analisar? É útil estabelecer critérios, que existam na realidade ou não, de forma a balizar e classificar os tipos de unidades que vamos analisar e assim decidir se os vamos incluir na investigação ou não. Mais uma vez é necessário tomar decisões firmes quanto a este "set" e manter-se agarrado a elas de forma firme e consistente.

Desenhar uma grelha

Depois de tudo isto decidido, estamos prontos para começar a nossa análise. Precisamos então de estabelecer em primeiro lugar uma "agenda de codificação", uma folha pro-forma onde se inserem os valores de cada uma das nossas variáveis. Uma grelha onde se vão introduzir todos os dados referentes às nossas unidades de análise. Em segundo lugar, é preciso estabelecer um "manual de codificação", contendo todos os códigos em número para cada uma das variáveis listadas na grelha. Algumas coisas são mais fáceis de categorizar do que outras. É fácil codificar o género da vítima (1=feminino; 2=masculino) mas já o tipo de crime requer mais cuidado, sendo necessário recorrer a grelhas instituídas que depois devem ser trabalhadas por nós.

Estes pontos são importantes uma vez que um dos objectivos da nossa pesquisa é contrastar a análise de conteúdo com informação, neste caso, real, de dados oficiais da criminologia, de forma a levantar questões acerca do cruzamento ou enviezamento das informações. A codificação é necessária de forma a aumentar a coerência interna das categorias. É importante testar a nossa grelha de forma a poder adaptá-la às reais necessidades da pesquisa.

Recolher informação

Tendo monitorizado a agenda de codificação e o manual de forma consistente, podemos começar a nossa análise de conteúdo e podemo-nos surpreender com quanta interpretação poderá estar envolvida quando se aplica uma grelha a um conteúdo. Mais uma vez devemos ser consistentes e sistemáticos ao aplicar os instrumentos de pesquisa. É possível, ao descobrir uma solução de codificação, aplicá-la em sítios diferentes, pelo que se deve anotá-la e guardar.

A questão da consistência e repetitividade é bastante importante quando há mais de uma pessoa envolvida na análise. É preciso confirmar o nível de confiança entre os vários codificadores, comparando diferentes peças e o seu encaixe na interpretação. Mesmo quando trabalhamos sozinhos é importante prestar atenção à "reliability": estaremos seguros que aplicamos a grelha da mesma forma, do início ao fim da análise? Será que a nossa interpretação das categorias não mudou ao longo do processo de recolher os dados?

Analisar os resultados

Uma vez analisada a amostra, devemos começar a fazer com que os números façam sentido. Para isso é útil utilizar um programa de computador que faça a análise estatística. A análise consiste em descrever e interpretar as descobertas que se fez pelo cruzamento dos números, chegando às implicações dos resultados. Devemos ter em atenção os seguintes pontos:
1- deve haver um período de "digestão" entre a análise da amostra e a análise dos resultados, de forma a poder reflectir sobre toda a investigação e os seus resultados
2- devemos ser direccionados na nossa análise desde o início, lembrando as questões iniciais, reportando-nos a elas de forma organizada e evitando gerar números só porque sim
3- os resultados podem confirmar as nossas expectativas primeiras, podem confundir o que nós acreditávamos como certo e podem ainda revelar-se inconclusivas. Os resultados estatísticos são mais complexos do que aquilo que parecem e devemos vê-los antes como possibilidades do que como problemas. Não devemos contudo evitar alguma evidência estatística que seja clara, sob o risco de prejudicarmos a integridade e propósito da nossa pesquisa.
4- devemos confiar na nossa intuição e se algo nos parecer estranho, voltar a estudar e ver o que possa estar mal naqueles resultados
5- uma vez analisado tudo, podemos passar para a análise de informação menos directa

Objectividade a que preço?

São estes os passos envolvidos na análise de conteúdo quantitativa e as principais questões que se levantam ao estudar este método. Mas as grelhas claras de codificação trazem-nos sempre resultados objectivos e ausentes de qualquer valoração? Não. Há sempre o cunho do investigador, seja na medida em que decide o que contar, quanto ou na interpretação que traz sempre a subjectividade do julgamento próprio. Não devemos assim reificar os nossos resultados mas sim ser explícitos quanto à nossa gama de amostra, à forma como operacionalizamos variáveis, os critérios de classificação, etc, de forma a que os leitores vejam mérito na obra que produzimos.

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