Na análise qualitativa, podemos querer estabelecer a frequência com a qual algumas histórias aparecem na imprensa ou o nível a que estão ligadas a determinada perspectiva. Queremos assim ter uma visão panorâmica larga do fenómeno que estudamos, olhando de perto a estrutura de uma qualquer história de jornal, para ver como as palavras, frases e parágrafos interagem de forma a privilegiar um significado particular para o evento. É como se pusessemos um texto ou parte dele ao microscópio de forma a revelar formas que muitas vezes não vemos.
Esta pesquisa pode ser levada a cabo de diferentes métodos, nunca se devendo temer a utilização de métodos diferentes ou ângulos de abordagens distintos no mesmo problema: o ecletismo metodológico traz benefícios ao estudo. Os métodos quantitativos ganham valor quando utilizados com outros que têm um grau mais qualitativo.
O termo análise de conteúdo cobre qualquer método que dia respeito ao acto de analisar um qualquer conteúdo mas também, de outro ponto de vista, diz respeito a uma particular perspectiva específica. Berelson descreve como uma "técnica de pesquisa que leva a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação." Coloca-se o ênfase na objectividade do observável e foi desenhada para trazer o rigor e a autoridade dos métodos naturais ao estudo do fenómeno urbano e social. O segundo ímpeto que teve a análise de conteúdo prendeu-se com o crescimento e a influência das indústrias de media de massas: antes acreditava-se que as massas estavam grandemente expostas e eram muito influenciáveis pelas mensagens dos média. Estas técnicas transformam-se então em maneiras de analisar as arenas simbólicas da cultura de massas e em particular de detectar a presença e a influência da propaganda.
Max Weber propôe uma nova sociologia da imprensa baseada na análise dos jornais, os quais deveriam ser medidos de forma pormenorizada com "tesouras e compassos", de forma a medir as alterações quantitativas nos conteúdos do jornal. O domínio da análise de conteúdos torna-se assim a comunicação e os estudos culturais por excelência, propondo-se a quantificar aspectos salientes e manifestos de um grande número de textos e a estatística usada de forma a conseguir fazer-se inferências relativas aos processos e políticas de representação.
Definir as nossas preocupações
É preciso estar certo desde o início acerca do que nos interessa e do que estamos a investigar: a análise de conteúdo é um método extremamente directivo, dando respostas a perguntas que colocamos. Assim, o resultado vai apenas confirmar, qualificar ou reprovar as perguntas inicias. Uma vez que a análise de conteúdo procura criar uma "big picture", definindo padrões, tendências e ausências de um largo número de textos, lida bem com a massividade dos mass media, podendo levar a conclusões políticas essenciais.
Contudo, a análise de conteúdo tende a "passar" pelo texto e não a "entrar" no texto e por esta razão este método não se coaduna com o estudo de questões mais profundas acerca das formas discursivas e textuais. Não serve para expor nuances retóricas ou estéticas de cada texto.
Um exemplo de um estudo onde se poderia recorrer à análise de conteúdo: existirão disparidades graves entre a representação da actividade criminal na imprensa e o nível de crime na sociedade?
Amostragem
Os estudos de análise de conteúdos podem ter como objecto apenas um texto, relevante para cumprir os objectivos. Muitos requerem o desenvolvimento de uma estratégia de amostragem, sendo necessário definir primeiro a gama de conteúdo sobre o qual queremos fazer inferências. Queremos ver apenas imprensa ou também ficção? E dentro da ficção, todos os géneros? Estes assuntos devem estar claros desde o início pois eles vão guiar a estratégia de amostragem e circunscrever as eventuais inferências que se desenha.
Em segundo lugar, precisamos de definir a unidade de amostra: alguns estudos são muito específicos e analisam a palavra ao pormenor em cada texto; outros são mais lados e analisam temas ou ideias. Uma vez escolhida, a unidade de amostra constitui o anfitrião para todos os elementos textuais que vão ser depois quantificados. Algumas unidades de amostra são dificeis de determinar: não existem respostas certas ou erradas para este tipo de dilemas , é necessário apenas fazer uma opção firme e levá-la até ao fim do estudo.
Em terceiro lugar, a quantidade de população que é preciso analisar de forma a construir uma amostra credivel e representativa. Em primeiro lugar, pensando quanto para trás ou para a frente queremos analisar a informação: o ideal seria extender o tempo ao máximo mas muitas vezes existem problemas de arquivo. Podemos recolher a amostra à medida que investigamos mas é um processo mais moroso e arriscado. Por outro lado, devemos ver qual a extensividade da população que queremos analisar: vamos falar com todos os elementos da população? O benefício de seleccionar é que reduz a logística da investigação mas por outro lado corre-se o risco de comprometer a representatividade da amostra.
Relativamente à amostragem, quanto mais, melhor. Mas muitas vezes o investigador tem que se limitar ao que é "fazível" e não ao que é "desejável".
Decidir o que contar
Esta estádio exige um planeamento cuidado e alguma imaginação uma vez que não existe uma lista standard do que deve ser contado. O que contamos deve sempre ser determinado pelos nossos objectivos e o nosso objectivo é responder às perguntas que fizemos. Nunca se deve contar coisas apenas por contar: se não se consegue dar um uso à variável, devemos livrar-nos dela. Devemos também perguntar-nos até que ponto determinada variável é passível de ser contada. A categorização por exemplo de "ironia" requer um julgamento baseado numa análise detalhada de estruturas de cada texto. De uma forma geral, a análise de conteúdo não funciona quando é preciso ler entre linhas.
Para saber o que contar temos que regressar aos objectivos do nosso estudo. Alguns items que poderiam ser quantificados na análise do crime, por exemplo, seriam: o meio onde a notícia é apresentada, o lugar do item no programa ou jornal, o tamanho, a idade dos intervenientes, o género dos intervenientes, a etnia, a idade das vítimas, o seu género, etnia e os crimes mencionados.
Regra geral devemos quantificar quem aparece no artigo, ou seja, os actores da história, que têm um papel decisivo na mesma. A forma como aparecem na história e a sua apresentação e factores avaliativos da sua intervenção na história, sendo esta uma premissa difícil de conseguir sem antes estabelecer as definições.
Decidir acerca de critérios de qualificação
É importante agora decidir quanto ao critérios de classificação das unidades da nossa amostra. Que tipo de crimes devemos analisar? É útil estabelecer critérios, que existam na realidade ou não, de forma a balizar e classificar os tipos de unidades que vamos analisar e assim decidir se os vamos incluir na investigação ou não. Mais uma vez é necessário tomar decisões firmes quanto a este "set" e manter-se agarrado a elas de forma firme e consistente.
Desenhar uma grelha
Depois de tudo isto decidido, estamos prontos para começar a nossa análise. Precisamos então de estabelecer em primeiro lugar uma "agenda de codificação", uma folha pro-forma onde se inserem os valores de cada uma das nossas variáveis. Uma grelha onde se vão introduzir todos os dados referentes às nossas unidades de análise. Em segundo lugar, é preciso estabelecer um "manual de codificação", contendo todos os códigos em número para cada uma das variáveis listadas na grelha. Algumas coisas são mais fáceis de categorizar do que outras. É fácil codificar o género da vítima (1=feminino; 2=masculino) mas já o tipo de crime requer mais cuidado, sendo necessário recorrer a grelhas instituídas que depois devem ser trabalhadas por nós.
Estes pontos são importantes uma vez que um dos objectivos da nossa pesquisa é contrastar a análise de conteúdo com informação, neste caso, real, de dados oficiais da criminologia, de forma a levantar questões acerca do cruzamento ou enviezamento das informações. A codificação é necessária de forma a aumentar a coerência interna das categorias. É importante testar a nossa grelha de forma a poder adaptá-la às reais necessidades da pesquisa.
Recolher informação
Tendo monitorizado a agenda de codificação e o manual de forma consistente, podemos começar a nossa análise de conteúdo e podemo-nos surpreender com quanta interpretação poderá estar envolvida quando se aplica uma grelha a um conteúdo. Mais uma vez devemos ser consistentes e sistemáticos ao aplicar os instrumentos de pesquisa. É possível, ao descobrir uma solução de codificação, aplicá-la em sítios diferentes, pelo que se deve anotá-la e guardar.
A questão da consistência e repetitividade é bastante importante quando há mais de uma pessoa envolvida na análise. É preciso confirmar o nível de confiança entre os vários codificadores, comparando diferentes peças e o seu encaixe na interpretação. Mesmo quando trabalhamos sozinhos é importante prestar atenção à "reliability": estaremos seguros que aplicamos a grelha da mesma forma, do início ao fim da análise? Será que a nossa interpretação das categorias não mudou ao longo do processo de recolher os dados?
Analisar os resultados
Uma vez analisada a amostra, devemos começar a fazer com que os números façam sentido. Para isso é útil utilizar um programa de computador que faça a análise estatística. A análise consiste em descrever e interpretar as descobertas que se fez pelo cruzamento dos números, chegando às implicações dos resultados. Devemos ter em atenção os seguintes pontos:
1- deve haver um período de "digestão" entre a análise da amostra e a análise dos resultados, de forma a poder reflectir sobre toda a investigação e os seus resultados
2- devemos ser direccionados na nossa análise desde o início, lembrando as questões iniciais, reportando-nos a elas de forma organizada e evitando gerar números só porque sim
3- os resultados podem confirmar as nossas expectativas primeiras, podem confundir o que nós acreditávamos como certo e podem ainda revelar-se inconclusivas. Os resultados estatísticos são mais complexos do que aquilo que parecem e devemos vê-los antes como possibilidades do que como problemas. Não devemos contudo evitar alguma evidência estatística que seja clara, sob o risco de prejudicarmos a integridade e propósito da nossa pesquisa.
4- devemos confiar na nossa intuição e se algo nos parecer estranho, voltar a estudar e ver o que possa estar mal naqueles resultados
5- uma vez analisado tudo, podemos passar para a análise de informação menos directa
Objectividade a que preço?
São estes os passos envolvidos na análise de conteúdo quantitativa e as principais questões que se levantam ao estudar este método. Mas as grelhas claras de codificação trazem-nos sempre resultados objectivos e ausentes de qualquer valoração? Não. Há sempre o cunho do investigador, seja na medida em que decide o que contar, quanto ou na interpretação que traz sempre a subjectividade do julgamento próprio. Não devemos assim reificar os nossos resultados mas sim ser explícitos quanto à nossa gama de amostra, à forma como operacionalizamos variáveis, os critérios de classificação, etc, de forma a que os leitores vejam mérito na obra que produzimos.
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21/11/08
20/11/08
MIC - Aula 5
SECÇÃO 3: ANÁLISE DE DADOS QUALITIATIVOS E QUANTITATIVOS
I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1. Análise de textos
1.1 Análise de conteúdo
A análise de conteúdo é uma análise objectiva (científica) e não interpretativa. Quantificar aspectos manifestos e mostrar tendências, padrões ou ausências são os objectivos da análise de conteúdo. A análise de conteúdo é útil para estabelecer padrões e representações e estabelecer enviezamentos. Por exemplo, existe enviezamento entre a criminalidade nos media e a que realmente existe? Outro exemplo, a posição dos jornalistas face ao uso da canabis versus o tipo de notícias veiculadas.
A amostragem de uma análise de conteúdo faz-se através de uma série de critérios de selecção: o tipo de publicações que se analisa, a situação temporal dessa análise, a situação das fotografias. Estudamos o conteúdo relativamente a palavras-chave, temas, tipos de artigos, tipos de jornais. A abordagem pode ser mais ou menos ampla, sendo necessário elaborar um manual de planificação. Perante um grande universo de notícias construímos uma amostragem que deve ser o mais aleatória possível.
Por exemplo, se quero estudar os alunos de jornalismo não basta ficar à porta para ver os alunos que entram pela porta por volta das 18h- estou a enviezar todos aqueles que chegam atrasados, os que faltam, etc. Da mesma forma, se quero analisar um grande período de tempo, por exemplo uma publicação periódica durante um ano, vou realizar uma semana construída.
É preciso elaborar uma grelha de análise do conteúdo. Numa coluna o objecto estudado (revista nºx), a data, a secção e, por exemplo, a etnia das pessoas entrevistadas nesses artigos estudados na última coluna. Deve-se esclarecer a priori o que considero um texto, neutro ou negativo, qual o código presente no texto (fiability, realibility e fidelity).
Por exemplo, se quero analisar como os jornalistas vêm e tratam pa pobreza, faço entrevistas aos jornalistas. No final das entrevistas tenho muitos textos e para cada texto escolho um extracto representativo, elaborando uma grelha para caracterizar, numa palavra, o extracto do texto. Vamos depois cruzar informação, também. Analiso jornalistas experientes e menos experientes e cruzo, primeiro entre o grupo sénior e a perspectiva negativa e depois entre o grupo jovem e a sua perspectiva negativa. A partir daí leio a validade qualitativa.
(completar com análise do texto: "Counting Contents")
I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1. Análise de textos
1.1 Análise de conteúdo
A análise de conteúdo é uma análise objectiva (científica) e não interpretativa. Quantificar aspectos manifestos e mostrar tendências, padrões ou ausências são os objectivos da análise de conteúdo. A análise de conteúdo é útil para estabelecer padrões e representações e estabelecer enviezamentos. Por exemplo, existe enviezamento entre a criminalidade nos media e a que realmente existe? Outro exemplo, a posição dos jornalistas face ao uso da canabis versus o tipo de notícias veiculadas.
A amostragem de uma análise de conteúdo faz-se através de uma série de critérios de selecção: o tipo de publicações que se analisa, a situação temporal dessa análise, a situação das fotografias. Estudamos o conteúdo relativamente a palavras-chave, temas, tipos de artigos, tipos de jornais. A abordagem pode ser mais ou menos ampla, sendo necessário elaborar um manual de planificação. Perante um grande universo de notícias construímos uma amostragem que deve ser o mais aleatória possível.
Por exemplo, se quero estudar os alunos de jornalismo não basta ficar à porta para ver os alunos que entram pela porta por volta das 18h- estou a enviezar todos aqueles que chegam atrasados, os que faltam, etc. Da mesma forma, se quero analisar um grande período de tempo, por exemplo uma publicação periódica durante um ano, vou realizar uma semana construída.
É preciso elaborar uma grelha de análise do conteúdo. Numa coluna o objecto estudado (revista nºx), a data, a secção e, por exemplo, a etnia das pessoas entrevistadas nesses artigos estudados na última coluna. Deve-se esclarecer a priori o que considero um texto, neutro ou negativo, qual o código presente no texto (fiability, realibility e fidelity).
Por exemplo, se quero analisar como os jornalistas vêm e tratam pa pobreza, faço entrevistas aos jornalistas. No final das entrevistas tenho muitos textos e para cada texto escolho um extracto representativo, elaborando uma grelha para caracterizar, numa palavra, o extracto do texto. Vamos depois cruzar informação, também. Analiso jornalistas experientes e menos experientes e cruzo, primeiro entre o grupo sénior e a perspectiva negativa e depois entre o grupo jovem e a sua perspectiva negativa. A partir daí leio a validade qualitativa.
(completar com análise do texto: "Counting Contents")
19/11/08
MIC - Aula 6
SECÇÃO 3:
ANÁLISE DE DADOS QUALITIATIVOS E QUANTITATIVOS
I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1.2 Etnografia
1.3 Análise de discurso
A etnografia é uma metodologia de investigação que é simultaneamente o produto da investigação. Por outras palavras, uma descrição escrita de uma cultura com base nos resultados do trabalho de campo. Podendo ser tanto qualitativa como quantitativa, é normalmente qualitativa. Surge no sentido de perceber como é que as pessoas lidam com determinado ambiente. O trabalho etnográfico está carregado de documentação visual: antropologia da urgência fala-nos de uma necessidade de preservar através da imagem uma forma de qualquer coisa que seja. Um problema surge no trabalho etnográfico: como sou capaz de viver numa determinada cultura e ao mesmo tempo distanciar-me dela, o meu objecto de estudo? Não sendo possível encontrar culturas isoladas ou isolarmo-nos das mesmas, os investigadores voltam-se para o estudo das suas próprias culturas.
A análise etnográfica propôe-se a descobrir as estruturas de significado disponíveis, sistematizar a realidade que caracteriza e distingue o grupo, tornar a realidade do grupo inteligível e mais disponível para considerações. Fala-se também de etnografia virtual, em que se analisa a cultura de determinada comunidade online, por exemplo, ou de utilizadores de um jogo.
Tudo o que forma uma comunidade desenvolve uma cultura própria possível de ser estudada e é possível caracterizar a cultura de determinado grupo. Assim, qualquer prática organizada permite a realização de um estudo etnográfico.
Existem dois tipos de etnografia. Em primeiro lugar, a descritiva ou convencional, que se centra na descrição das comunidades ou grupos, procura descobrir padrões, tipologias e categorias através da análise. E a etnografia crítica, que estuda factores macro-sociais, como o poder, examinando pressupostos comuns e "agendas escondidas"; procura levar a cabo uma mudança e tem objectivos políticos, como dar voz aos desfavorecidos, chamar a atenção para uma dada situação social, etc.
As etapas de um estudo etnográfico passam por procurar uma amostra adequada de entre o grupo em estudo, definir depois o probema, assunto ou fenómeno a explicar, examinar a forma como os indivíduos interpretam a situação e o significadoo que lhe dão, descrever as acções dos indivíduos e a forma como comunicam, documentar o processo etnográfico, monotorizar a implementação do processo e fornecer informação que sustente a explicação dos resultados da investigação.
O texto de uma investigação etnográfica é o equivalente a uma literatura de viagem. Por vezes, é necessário fazer a triangulação, de forma a que se cruze determinados registos sobre um assunto, de forma a ganhar objectividade.
A amostragem de um estudo etnográfico realiza-se através da escolha de um grupo específico de acordo com o propósito de cada estudo. A selecção é feita de acordo com critérios específicos e deve também proceder-se à selecção de informadores-chave sobre o grupo em questão, assim como ter-se em conta a amostra no que respeita ao tempo e ao contexto em que se insere.
A investigação etnográfica compreende um certo número de limitações e problemas: em primeiro lugar, exige tempo e empenho por parte do investigador. Pode ser cansativa e frustrante quando a integração no grupo é dificultada e nem sempre é fácil para o investigador colocar-se na posição do "cultural stranger". Por outro lado, a investigação etnográfica não pode ser generalizada de um modo simplista.
A observação etnográfica levanta questões éticas, entre elas questões relativamente à possibilidade de estudar um comportamento em determinado contexto ou se é ético ou não estudar o comportamento de determinado grupo em determinado contexto. Os registos de observações etnográficas são notas de campo, que envolvem a descrição, relatos, etc de contextos, pessoas, acções, actividades individuais, comportamentos, significados e perspectivas.
Um exemplo de estudo etnográfico são os "digital natives", ou seja, pessoas que já nascem na era digital e por isso formam dimensões da cultura diferentes das nossas e que é interessante estudar. A análise de discurso bem como a etnografia são muito aplicadas ao contexto das organizações.
Em relação à análise de discurso, existem várias correntes que defendem várias análises de discurso. Em primeiro lugar, a "speech act theory", que coloca a ênfase nos aspectos da acção social e da linguagem, tentando perceber em que medida as palavras nos levam a determinadas acções. Em segundo lugar, a etnometodologia, que se focaliza na forma como as pessoas utilizam a linguagem no dia-a-dia de forma a fazerem sentido no seu mundo: trata-se da partilha de significados comuns, sendo que a conversa só faz sentido se houver entendimento entre os intervenientes. Temos muitos implicitos culturais nas formas como agimos e o sentido da palavra extrai-se a partir doutras dimensões. Em terceiro lugar, a semiótica social e hermenêutica, ou seja, a multiplicidade de sentidos de determinado texto.
Foucault fala de constrangimentos do discurso, ou seja, constrangimentos de dimensões simbólicas do próprio discurso. Por exemplo o discurso da ciência constrange determinados comportamentos.
A análise de discurso define-se pelo facto da linguagem realizar uma série de funções no mundo para além da simples representação no mundo. O discurso é definido como um sistema de afirmações que constrói um objecto, suporta instituições, reproduz relações de poder e tem efeitos ideológicos (Parker, 1990).
Como pressupostos, a análise de discurso prevê uma linguagem orientada para a acção/ função, afirmando que as pessoas utilizam uma linguagem intencional para construir relatos ou versões do mundo social. Este processo activo de construção é demonstrado na variabilidade da linguagem (o conceito de variabilidade é fundamental para a análise, já que o discurso varia sistematicamente dependendo da função que lhe está a ser exigida que realize. Trata-se, no fundo, de uma visão da linguagem como lugar de construção do mundo social.
No que respeita à metodologia, a análise de discurso pode ser realizada com textos formais ou informais: a amostragem não é fundamental pois o interesse reside na forma como a linguagem é utilizada: grandes variações com padrões linguísticos podem emergir de um pequeno número de pessoas. Os repertórios interpretativos têm implicação na acção e são empregues em análise de discurso. Trata-se de descobrir como o texto está estruturado de forma que nos convença e ver daí implicações que nos conduzam pela nossa análise.
A instância accional define que toda a comunicação é uma acção simbólica e social: o sujeito usa sempre a linguagem, seja para ordenar ou para pedir. Para identificar a pessoa que ocupa o sujeito da acção devemos questionar-nos sobre quem fala, que posição tem diante do interlocutor e o que objectiva. Na análise do discurso é fundamental pensarmos o que um discurso constroi, que actores e relações existem, que dimensões estão presentes e nas metáforas e hipérboles que reforçam os processos.
ANÁLISE DE DADOS QUALITIATIVOS E QUANTITATIVOS
I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1.2 Etnografia
1.3 Análise de discurso
A etnografia é uma metodologia de investigação que é simultaneamente o produto da investigação. Por outras palavras, uma descrição escrita de uma cultura com base nos resultados do trabalho de campo. Podendo ser tanto qualitativa como quantitativa, é normalmente qualitativa. Surge no sentido de perceber como é que as pessoas lidam com determinado ambiente. O trabalho etnográfico está carregado de documentação visual: antropologia da urgência fala-nos de uma necessidade de preservar através da imagem uma forma de qualquer coisa que seja. Um problema surge no trabalho etnográfico: como sou capaz de viver numa determinada cultura e ao mesmo tempo distanciar-me dela, o meu objecto de estudo? Não sendo possível encontrar culturas isoladas ou isolarmo-nos das mesmas, os investigadores voltam-se para o estudo das suas próprias culturas.
A análise etnográfica propôe-se a descobrir as estruturas de significado disponíveis, sistematizar a realidade que caracteriza e distingue o grupo, tornar a realidade do grupo inteligível e mais disponível para considerações. Fala-se também de etnografia virtual, em que se analisa a cultura de determinada comunidade online, por exemplo, ou de utilizadores de um jogo.
Tudo o que forma uma comunidade desenvolve uma cultura própria possível de ser estudada e é possível caracterizar a cultura de determinado grupo. Assim, qualquer prática organizada permite a realização de um estudo etnográfico.
Existem dois tipos de etnografia. Em primeiro lugar, a descritiva ou convencional, que se centra na descrição das comunidades ou grupos, procura descobrir padrões, tipologias e categorias através da análise. E a etnografia crítica, que estuda factores macro-sociais, como o poder, examinando pressupostos comuns e "agendas escondidas"; procura levar a cabo uma mudança e tem objectivos políticos, como dar voz aos desfavorecidos, chamar a atenção para uma dada situação social, etc.
As etapas de um estudo etnográfico passam por procurar uma amostra adequada de entre o grupo em estudo, definir depois o probema, assunto ou fenómeno a explicar, examinar a forma como os indivíduos interpretam a situação e o significadoo que lhe dão, descrever as acções dos indivíduos e a forma como comunicam, documentar o processo etnográfico, monotorizar a implementação do processo e fornecer informação que sustente a explicação dos resultados da investigação.
O texto de uma investigação etnográfica é o equivalente a uma literatura de viagem. Por vezes, é necessário fazer a triangulação, de forma a que se cruze determinados registos sobre um assunto, de forma a ganhar objectividade.
A amostragem de um estudo etnográfico realiza-se através da escolha de um grupo específico de acordo com o propósito de cada estudo. A selecção é feita de acordo com critérios específicos e deve também proceder-se à selecção de informadores-chave sobre o grupo em questão, assim como ter-se em conta a amostra no que respeita ao tempo e ao contexto em que se insere.
A investigação etnográfica compreende um certo número de limitações e problemas: em primeiro lugar, exige tempo e empenho por parte do investigador. Pode ser cansativa e frustrante quando a integração no grupo é dificultada e nem sempre é fácil para o investigador colocar-se na posição do "cultural stranger". Por outro lado, a investigação etnográfica não pode ser generalizada de um modo simplista.
A observação etnográfica levanta questões éticas, entre elas questões relativamente à possibilidade de estudar um comportamento em determinado contexto ou se é ético ou não estudar o comportamento de determinado grupo em determinado contexto. Os registos de observações etnográficas são notas de campo, que envolvem a descrição, relatos, etc de contextos, pessoas, acções, actividades individuais, comportamentos, significados e perspectivas.
Um exemplo de estudo etnográfico são os "digital natives", ou seja, pessoas que já nascem na era digital e por isso formam dimensões da cultura diferentes das nossas e que é interessante estudar. A análise de discurso bem como a etnografia são muito aplicadas ao contexto das organizações.
Em relação à análise de discurso, existem várias correntes que defendem várias análises de discurso. Em primeiro lugar, a "speech act theory", que coloca a ênfase nos aspectos da acção social e da linguagem, tentando perceber em que medida as palavras nos levam a determinadas acções. Em segundo lugar, a etnometodologia, que se focaliza na forma como as pessoas utilizam a linguagem no dia-a-dia de forma a fazerem sentido no seu mundo: trata-se da partilha de significados comuns, sendo que a conversa só faz sentido se houver entendimento entre os intervenientes. Temos muitos implicitos culturais nas formas como agimos e o sentido da palavra extrai-se a partir doutras dimensões. Em terceiro lugar, a semiótica social e hermenêutica, ou seja, a multiplicidade de sentidos de determinado texto.
Foucault fala de constrangimentos do discurso, ou seja, constrangimentos de dimensões simbólicas do próprio discurso. Por exemplo o discurso da ciência constrange determinados comportamentos.
A análise de discurso define-se pelo facto da linguagem realizar uma série de funções no mundo para além da simples representação no mundo. O discurso é definido como um sistema de afirmações que constrói um objecto, suporta instituições, reproduz relações de poder e tem efeitos ideológicos (Parker, 1990).
Como pressupostos, a análise de discurso prevê uma linguagem orientada para a acção/ função, afirmando que as pessoas utilizam uma linguagem intencional para construir relatos ou versões do mundo social. Este processo activo de construção é demonstrado na variabilidade da linguagem (o conceito de variabilidade é fundamental para a análise, já que o discurso varia sistematicamente dependendo da função que lhe está a ser exigida que realize. Trata-se, no fundo, de uma visão da linguagem como lugar de construção do mundo social.
No que respeita à metodologia, a análise de discurso pode ser realizada com textos formais ou informais: a amostragem não é fundamental pois o interesse reside na forma como a linguagem é utilizada: grandes variações com padrões linguísticos podem emergir de um pequeno número de pessoas. Os repertórios interpretativos têm implicação na acção e são empregues em análise de discurso. Trata-se de descobrir como o texto está estruturado de forma que nos convença e ver daí implicações que nos conduzam pela nossa análise.
A instância accional define que toda a comunicação é uma acção simbólica e social: o sujeito usa sempre a linguagem, seja para ordenar ou para pedir. Para identificar a pessoa que ocupa o sujeito da acção devemos questionar-nos sobre quem fala, que posição tem diante do interlocutor e o que objectiva. Na análise do discurso é fundamental pensarmos o que um discurso constroi, que actores e relações existem, que dimensões estão presentes e nas metáforas e hipérboles que reforçam os processos.
MIC - Aula 4
Parte I (Profª Helena Santos)
3. Inquérito por questionário
A entrevista estruturada pode ser feita por administração directa ou indirecta (com recurso a entrevistadores). As questões que um inquérito levanta prendem-se com a comparabilidade: resultados eventualmente generalizáveis porque aplicáveis a grandes conjuntos populacionais. Um inquérito pode ser feito com vários tipos de questões: as questões abertas (por exemplo para análise de conteúdo), fechadas (com pré-respostas), semi-abertas, questões escalas (com escalas de atitudes), questões cenários, questões com suportes imagéticos (desenhos ou fotos) e questões filtro.
As questões abertas fazem-se quando queremos inferir sentido ou não sabemos que pré-respostas colocar. As questões escala, coloca-se uma escala de valor, por exemplo de um a cinco, com variáveis ordinais e por vezes evitando o ponto médio. As questões cenário propôem ao inquirido um determinado cenário: há-que ter cuidado com os cenários porque as pessoas têm percepções diferentes e por outro lado deve-se evitar cenários complicados. As questões com suporte imagético servem para identificar o nome de um produto através da imagem, por exemplo no Marketing ou na Psicologia. As questões filtro filtram o inquirido e remetem-no por vezes para perguntas mais abaixo ou para o fim.
Relativamente à ordem das perguntas, devemos começar nas mais genéricas e acabar nas mais incisivas. Devemos também ter em atenção a extensão das perguntas. Alguns problemas surgem nas respostas: a questão das não-respostas e os problemas de interpretação das perguntas. Daí a importância de um pré-teste ao questionário, para evitar a rigidez e a superficialidade das questões.
Parte II (Prof. José Azevedo)
As componentes de um projecto dividem-se em quatro etapas:
1- Introdução e questões gerais na investigação
2- Averiguação da significância da investigação,
3- Revisão da Literatura
4- Design da investigação, ou seja, os métodos de investigação.
Em relação ao segundo ponto, a significância da investigação, é preciso que o nosso tema avance no conhecimento, na originalidade e haja indicadores sociais que mostrem que é importante estudar essa temática. Devemo-nos perguntar a quem é que este domínio de investigação pode interessar, o que é que sabemos sobre o tópico, o que é que ainda não foi respondido adequadamente na investigação anterior e em que medida é que esta nova investigação acrescenta conhecimento a esta área. Se estas questões não se verificarem, o projecto dificilmente será aprovado.
O terceiro ponto remete-nos para saber o que já foi escrito sobre o assunto e acrescentar ao que já existe. A base da ciência diz-nos que não se faz um projecto sem revisão da literatura já feita. Esta literatura tem quatro funções: demonstrar pressupostos subjacentes (questões de investigação); demonstrar que somos conhecedores das investigações relacionadas e das tradições intelectuais que rodeiam o estudo; demonstrar que o investigador demonstrou falhas na investigação anterior que o presente estudo procura colmatar; definir as questões de investigação pela integração em tradições empíricas mais alargadas.
Quanto ao quarto ponto, pode-se fazer o design da investigação através de quatro tipos de análise de realidades: a análise de conteúdo, a análise de discurso, a análise do género (genre) e os estudos etnográficos. A análise de género diz respeito a um conjunto de códigos e convenções estabelecidas para um determinado género: armas capazes de detectar determinados tipos de estruturas. A análise de conteúdo prende-se com uma grelha analítica que vou aplicar a cada um dos episódios, por exemplo, de uma série. A análise de discurso remete-nos para os efeitos de utilização de uma determinada linguagem, com dimensões contextuais fundamentais para perceber o texto. A análise etnográfica estuda a forma como as pessoas se relacionam, a cultura dos utilizadores de determinado artefacto ou espaço através da observação.
3. Inquérito por questionário
A entrevista estruturada pode ser feita por administração directa ou indirecta (com recurso a entrevistadores). As questões que um inquérito levanta prendem-se com a comparabilidade: resultados eventualmente generalizáveis porque aplicáveis a grandes conjuntos populacionais. Um inquérito pode ser feito com vários tipos de questões: as questões abertas (por exemplo para análise de conteúdo), fechadas (com pré-respostas), semi-abertas, questões escalas (com escalas de atitudes), questões cenários, questões com suportes imagéticos (desenhos ou fotos) e questões filtro.
As questões abertas fazem-se quando queremos inferir sentido ou não sabemos que pré-respostas colocar. As questões escala, coloca-se uma escala de valor, por exemplo de um a cinco, com variáveis ordinais e por vezes evitando o ponto médio. As questões cenário propôem ao inquirido um determinado cenário: há-que ter cuidado com os cenários porque as pessoas têm percepções diferentes e por outro lado deve-se evitar cenários complicados. As questões com suporte imagético servem para identificar o nome de um produto através da imagem, por exemplo no Marketing ou na Psicologia. As questões filtro filtram o inquirido e remetem-no por vezes para perguntas mais abaixo ou para o fim.
Relativamente à ordem das perguntas, devemos começar nas mais genéricas e acabar nas mais incisivas. Devemos também ter em atenção a extensão das perguntas. Alguns problemas surgem nas respostas: a questão das não-respostas e os problemas de interpretação das perguntas. Daí a importância de um pré-teste ao questionário, para evitar a rigidez e a superficialidade das questões.
Parte II (Prof. José Azevedo)
As componentes de um projecto dividem-se em quatro etapas:
1- Introdução e questões gerais na investigação
2- Averiguação da significância da investigação,
3- Revisão da Literatura
4- Design da investigação, ou seja, os métodos de investigação.
Em relação ao segundo ponto, a significância da investigação, é preciso que o nosso tema avance no conhecimento, na originalidade e haja indicadores sociais que mostrem que é importante estudar essa temática. Devemo-nos perguntar a quem é que este domínio de investigação pode interessar, o que é que sabemos sobre o tópico, o que é que ainda não foi respondido adequadamente na investigação anterior e em que medida é que esta nova investigação acrescenta conhecimento a esta área. Se estas questões não se verificarem, o projecto dificilmente será aprovado.
O terceiro ponto remete-nos para saber o que já foi escrito sobre o assunto e acrescentar ao que já existe. A base da ciência diz-nos que não se faz um projecto sem revisão da literatura já feita. Esta literatura tem quatro funções: demonstrar pressupostos subjacentes (questões de investigação); demonstrar que somos conhecedores das investigações relacionadas e das tradições intelectuais que rodeiam o estudo; demonstrar que o investigador demonstrou falhas na investigação anterior que o presente estudo procura colmatar; definir as questões de investigação pela integração em tradições empíricas mais alargadas.
Quanto ao quarto ponto, pode-se fazer o design da investigação através de quatro tipos de análise de realidades: a análise de conteúdo, a análise de discurso, a análise do género (genre) e os estudos etnográficos. A análise de género diz respeito a um conjunto de códigos e convenções estabelecidas para um determinado género: armas capazes de detectar determinados tipos de estruturas. A análise de conteúdo prende-se com uma grelha analítica que vou aplicar a cada um dos episódios, por exemplo, de uma série. A análise de discurso remete-nos para os efeitos de utilização de uma determinada linguagem, com dimensões contextuais fundamentais para perceber o texto. A análise etnográfica estuda a forma como as pessoas se relacionam, a cultura dos utilizadores de determinado artefacto ou espaço através da observação.
23/10/08
MIC - Aula 3
SECÇÃO 2: TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO DE UM CORPUS DE PESQUISA
1. Técnicas de entrevista (individuais e de grupo)
2. Observação participante
3. Inquérito por questionário
Como resumo, podemos dizer que as ciências sociais demarcam-se de alguns conhecimentos, como o senso comum, por exemplo. Trabalham com técnicas, métodos e teorias: ferramentas com diferentes papeis em todo o processo. As teorias disponíveis servem de apoio à formulação de hipóteses e permitem clarificar a investigação. Juntamente com o pensamento imaginativo sobre algo mais do que o que já sabemos, organizamos hipóteses. Estas são construídas para que a partir do problema possamos procurar algo mais do que já sabemos. Procuramos um sentido social, sentidos novos através de hipóteses ricas e pertinentes: uma posição científica deve ser refutável e não ter tido já refutação. Se já foram refutadas, as proposições científicas não servem: é aqui que se dá a ruptura para a verificação.
Através da ruptura com o senso comum, apoiamo-nos em teorias e formulamos hipóteses, rompendo com as teorias existentes. Iniciamos então a pesquisa empírica utilizando o método, com forte utilização das técnicas, estabelecido pela metodologia, ou seja, a estratégia de investigação.
No que respeita aos métodos, estes dividem-se pelos métodos experimentais, qualitativos e quantitativos. Os métodos experimentais contemplam contextos de observação controlada, artificiais ou quase artificiais e são pouco usados em ciências sociais. Por exemplo, grupos em sociologia para se analisar os líderes de determinado contexto consoante um conjunto de variáveis. Trata-se de indivíduos com planos de acção muito claros em contextos específicos. Porém, não sabemos nunca o que fica de fora do nosso controlo. As experiências de laboratório em Ciências Sociais em que as pessoas são escolhidas são muito mais complexas: os comportamentos e a reflexividade dos indivíduos alteram-se consoante o contexto. São, de facto, experiências muito complicadas mas onde podemos pensar do ponto de vista epistemológico, vendo que qualquer entrevista é experimental, uma vez que foge do quotidiano normal do entrevistado.
Em relação aos métodos quantitativos, estes procuram causas, são mais gerais e permitem encontrar grandes regularidades objectivas que estão para lá da observação directa. Procuram explicar fenómenos, trabalhando com populações grandes para encontrar padrões e assim trabalhá-los estatisticamente. Um inquérito, o veículo mais utilizado nos métodos quantitativos, têm um guião rígido que não se pode alterar e como tal o inquérito é entregue a alguém que o administra e que pode perfeitamente estar de fora da investigação: o inquérito é imutável, rígido.
Já os métodos qualitativos, trabalham com a compreensão, o sentido e por isso em pequenos contextos que são controláveis pelo próprio investigador. São populações muito pequenas, capazes de serem controladas e onde não há delegação. A procura de sentido faz com que as técnicas não sejam usadas de forma definida logo à partida: podemos usar inquéritos ou não, entrevistas ou não. No estudo em profundidade, não temos a mesma rigidez técnica dos métodos quantitativos. Nos métodos qualitativos, quero saber porquê e como os estudantes fazem as suas escolhas e não apenas quantos fazem determinada escolha. Podem utilizar-se perguntas abertas, quando não sei que respostas devo pôr ou quando procuro, de facto, um novo discurso. As perguntas abertas podem depois ser tratadas do ponto de vista qualitativo ou quantitativo ou ambos.
Pelo método quantitativo, pretendo agrupar e comparar, obtendo apenas grandes regularidades: embora o inquérito possa conter questões mais finas, chego pouco ao profundo das questões. Isto também porque embora o inquérito possa ser anónimo, sentimos sempre desconforto perante a hipótese de ver as nossas respostas lidas. O inquérito é superficial mas depois o investigador aprofunda, na sua análise. Como as desvantagens dum são as vantagens doutro, o melhor é utilizar os dois métodos: inquérito e entrevista.
No que respeita às técnicas de observação, estas podem ser directas ou indirectas/ deferidas. A observação directa pode ser participante, quando o investigador entra no grupo e vive como as pessoas desse grupo ("Street Corner Society" p.e.); semi-participante, onde a participação é difícil de definir mas onde a distância é mantida, embora seja o resultado de uma situação em que mesmo inconscientemente o investigador intervém- o contacto poderá ser feito, por exemplo, no chamado "contexto de corredor"; e não participante ou sistemática em que se faz a observação directa, por exemplo, de um evento mas não participo dele: ouço, vejo, registo sem fazer perguntas uma vez que as perguntas por si só interferem. Como exemplo da observação não participante, o público num cinema.
A problemática do distanciamento e envolvimento prende-se intimamente com os estudos de caso, ou seja, as análises qualitativas. Posso-me "apaixonar" pelo documento que estudo, seja um filme, um texto ou uma pessoa e corro o risco de não me distanciar o suficiente do objecto: tenho, por isso que gerir o envolvimento e o distanciamento da melhor forma. Trata-se da "arte de bem perguntar", segundo Virgínia Ferreira ou da "arte de obter respostas sem fazer perguntas", segundo Firmino Costa.
No que respeita às entrevistas, estas podem ser estruturadas, semi-estruturadas e não estruturadas. Podem ser ainda indivíduais ou de grupo (focus group). Quanto às técnicas documentais, pode recorrer-se à amostragem, estatística e análise de conteúdos. Esta última a nível do discurso escrito e oral e da narrativa (oral, visual, imagética ou gestual.
Relativamente às técnicas, pode haver diferentes interpretações: as técnicas documentais são relativamente transversais aos métodos, dependendo apenas uma maior ou menor estruturação dessas técnicas. O inquérito é a mais estruturada das entrevistas. Porém, o tipo ideal de entrevistas não estruturadas é quando não há perguntas (p.e. entrevistas clínicas psicanalíticas). Normalmente, em investigação usamos um misto entre estruturada e não estruturada. A entrevista não é tão rígida comoo questionário e é feita sempre por um entrevistador qualificado, ao passo que o inquérito pode ser realizado por qualquer pessoa que reuna as condições mínimas (saber ler, compreender a amostra, ter boa apresentação).
As entrevistas semi e não estruturadas são entrevistas em profundidade: vou querer conhecer algo a partir do meu entrevistado, quero que ele me mostre mais do que aquilo que diz à partida. Assim, as análises qualitativas levam-me a descobrir um sentido pela singularidade, enquanto as quantitativas pretendem chegar a informação que permita fazer uma análise estatística.
Relativamente à amostra, além daquelas que vimos existe a amostra por painel e o focus group. A amostra por painel trata-se da construção de uma amostra probabilística que se mantem por observação repetida. Por exemplo, selecciona-se dez pessoas e em dois momentos administra-se o mesmo inquérito. A audiometria, por exemplo, constitui um exemplo de amostragem por painel, neste caso de famílias.
O focus group pode ser homo ou heterogéneo. Fazemos uma entrevista mais estruturada ou menos a um grupo seleccionado para o efeito, como por exemplo os quadros de topo de uma empresa. Tentamos apanhar regularidades cuja manifestação seja transversal aos indivíduos. O grupo pode ser homogeneizado pelo grupo de pertença para tentar obter respostas sobre algo de forma a que as respostas sejam representativas sobre o assunto.
Por fim, damos uma codificação, no método estatístico, às categorias, que é numérica nos métodos quantitativos e uma palavra nos qualitativos. Transformamos assim toda a informação em números, organizando desta forma as diversas variáveis.
1. Técnicas de entrevista (individuais e de grupo)
2. Observação participante
3. Inquérito por questionário
Como resumo, podemos dizer que as ciências sociais demarcam-se de alguns conhecimentos, como o senso comum, por exemplo. Trabalham com técnicas, métodos e teorias: ferramentas com diferentes papeis em todo o processo. As teorias disponíveis servem de apoio à formulação de hipóteses e permitem clarificar a investigação. Juntamente com o pensamento imaginativo sobre algo mais do que o que já sabemos, organizamos hipóteses. Estas são construídas para que a partir do problema possamos procurar algo mais do que já sabemos. Procuramos um sentido social, sentidos novos através de hipóteses ricas e pertinentes: uma posição científica deve ser refutável e não ter tido já refutação. Se já foram refutadas, as proposições científicas não servem: é aqui que se dá a ruptura para a verificação.
Através da ruptura com o senso comum, apoiamo-nos em teorias e formulamos hipóteses, rompendo com as teorias existentes. Iniciamos então a pesquisa empírica utilizando o método, com forte utilização das técnicas, estabelecido pela metodologia, ou seja, a estratégia de investigação.
No que respeita aos métodos, estes dividem-se pelos métodos experimentais, qualitativos e quantitativos. Os métodos experimentais contemplam contextos de observação controlada, artificiais ou quase artificiais e são pouco usados em ciências sociais. Por exemplo, grupos em sociologia para se analisar os líderes de determinado contexto consoante um conjunto de variáveis. Trata-se de indivíduos com planos de acção muito claros em contextos específicos. Porém, não sabemos nunca o que fica de fora do nosso controlo. As experiências de laboratório em Ciências Sociais em que as pessoas são escolhidas são muito mais complexas: os comportamentos e a reflexividade dos indivíduos alteram-se consoante o contexto. São, de facto, experiências muito complicadas mas onde podemos pensar do ponto de vista epistemológico, vendo que qualquer entrevista é experimental, uma vez que foge do quotidiano normal do entrevistado.
Em relação aos métodos quantitativos, estes procuram causas, são mais gerais e permitem encontrar grandes regularidades objectivas que estão para lá da observação directa. Procuram explicar fenómenos, trabalhando com populações grandes para encontrar padrões e assim trabalhá-los estatisticamente. Um inquérito, o veículo mais utilizado nos métodos quantitativos, têm um guião rígido que não se pode alterar e como tal o inquérito é entregue a alguém que o administra e que pode perfeitamente estar de fora da investigação: o inquérito é imutável, rígido.
Já os métodos qualitativos, trabalham com a compreensão, o sentido e por isso em pequenos contextos que são controláveis pelo próprio investigador. São populações muito pequenas, capazes de serem controladas e onde não há delegação. A procura de sentido faz com que as técnicas não sejam usadas de forma definida logo à partida: podemos usar inquéritos ou não, entrevistas ou não. No estudo em profundidade, não temos a mesma rigidez técnica dos métodos quantitativos. Nos métodos qualitativos, quero saber porquê e como os estudantes fazem as suas escolhas e não apenas quantos fazem determinada escolha. Podem utilizar-se perguntas abertas, quando não sei que respostas devo pôr ou quando procuro, de facto, um novo discurso. As perguntas abertas podem depois ser tratadas do ponto de vista qualitativo ou quantitativo ou ambos.
Pelo método quantitativo, pretendo agrupar e comparar, obtendo apenas grandes regularidades: embora o inquérito possa conter questões mais finas, chego pouco ao profundo das questões. Isto também porque embora o inquérito possa ser anónimo, sentimos sempre desconforto perante a hipótese de ver as nossas respostas lidas. O inquérito é superficial mas depois o investigador aprofunda, na sua análise. Como as desvantagens dum são as vantagens doutro, o melhor é utilizar os dois métodos: inquérito e entrevista.
No que respeita às técnicas de observação, estas podem ser directas ou indirectas/ deferidas. A observação directa pode ser participante, quando o investigador entra no grupo e vive como as pessoas desse grupo ("Street Corner Society" p.e.); semi-participante, onde a participação é difícil de definir mas onde a distância é mantida, embora seja o resultado de uma situação em que mesmo inconscientemente o investigador intervém- o contacto poderá ser feito, por exemplo, no chamado "contexto de corredor"; e não participante ou sistemática em que se faz a observação directa, por exemplo, de um evento mas não participo dele: ouço, vejo, registo sem fazer perguntas uma vez que as perguntas por si só interferem. Como exemplo da observação não participante, o público num cinema.
A problemática do distanciamento e envolvimento prende-se intimamente com os estudos de caso, ou seja, as análises qualitativas. Posso-me "apaixonar" pelo documento que estudo, seja um filme, um texto ou uma pessoa e corro o risco de não me distanciar o suficiente do objecto: tenho, por isso que gerir o envolvimento e o distanciamento da melhor forma. Trata-se da "arte de bem perguntar", segundo Virgínia Ferreira ou da "arte de obter respostas sem fazer perguntas", segundo Firmino Costa.
No que respeita às entrevistas, estas podem ser estruturadas, semi-estruturadas e não estruturadas. Podem ser ainda indivíduais ou de grupo (focus group). Quanto às técnicas documentais, pode recorrer-se à amostragem, estatística e análise de conteúdos. Esta última a nível do discurso escrito e oral e da narrativa (oral, visual, imagética ou gestual.
Relativamente às técnicas, pode haver diferentes interpretações: as técnicas documentais são relativamente transversais aos métodos, dependendo apenas uma maior ou menor estruturação dessas técnicas. O inquérito é a mais estruturada das entrevistas. Porém, o tipo ideal de entrevistas não estruturadas é quando não há perguntas (p.e. entrevistas clínicas psicanalíticas). Normalmente, em investigação usamos um misto entre estruturada e não estruturada. A entrevista não é tão rígida comoo questionário e é feita sempre por um entrevistador qualificado, ao passo que o inquérito pode ser realizado por qualquer pessoa que reuna as condições mínimas (saber ler, compreender a amostra, ter boa apresentação).
As entrevistas semi e não estruturadas são entrevistas em profundidade: vou querer conhecer algo a partir do meu entrevistado, quero que ele me mostre mais do que aquilo que diz à partida. Assim, as análises qualitativas levam-me a descobrir um sentido pela singularidade, enquanto as quantitativas pretendem chegar a informação que permita fazer uma análise estatística.
Relativamente à amostra, além daquelas que vimos existe a amostra por painel e o focus group. A amostra por painel trata-se da construção de uma amostra probabilística que se mantem por observação repetida. Por exemplo, selecciona-se dez pessoas e em dois momentos administra-se o mesmo inquérito. A audiometria, por exemplo, constitui um exemplo de amostragem por painel, neste caso de famílias.
O focus group pode ser homo ou heterogéneo. Fazemos uma entrevista mais estruturada ou menos a um grupo seleccionado para o efeito, como por exemplo os quadros de topo de uma empresa. Tentamos apanhar regularidades cuja manifestação seja transversal aos indivíduos. O grupo pode ser homogeneizado pelo grupo de pertença para tentar obter respostas sobre algo de forma a que as respostas sejam representativas sobre o assunto.
Por fim, damos uma codificação, no método estatístico, às categorias, que é numérica nos métodos quantitativos e uma palavra nos qualitativos. Transformamos assim toda a informação em números, organizando desta forma as diversas variáveis.
20/10/08
Metodologias Qualitativas para as Ciências Sociais
(Resumo do primeiro texto do livro de António Esteves e José Azevedo)
Metodologias Qualitativas - Perspectivas Gerais, António Joaquim Esteves
Por estarem separadas dos restantes níveis que fazem parte da estratégia de investigação (metodológico, teórico e espistemológico), o tratamento das técnicas qualitativas e quantitativas é por vezes feito num esquema artificial.
Os modelos deterministas apontam para uma particular "configuração do real" que privilegia o princípio da totalidade e o postulado da elevação e estabilidade da realidade. A supremacia do quantitativo é atribuída na Sociologia enquanto o fenómeno social for constante e ocorrer no seio de um contexto, obedecendo a uma concepção orgânica da sociedade. Quando assim não é, o sociólogo contenta-se apenas com o estabelecimento de relações entre os fenómenos.
Hoje em dia, a sociedade requer outras construções teóricas, seja pela emergência de novo tipo de social, onde prevalecem relações sociais de carácter electivo, seja pela convivência entre o individual e o universal. Isto significa que os estudos quantitativos devem ser complementados com estudos qualitativos.
A construção caracteriza a sociedade como configuração social pois está na base da Sociologia como saber produzido a partir da interrogação do sociólogo. Os estudos qualitativos são os meios mais adequados ao estilo de produção e circulação de sentido neste tipo de assuntos sociais.
Karl Meter fala de "metodologia descendente" e "metodologia ascendente" como forma de quebrar a clivagem marcante entre o qualitativo e o quantitativo e criar assim modos mais construtivos de organização da metodologia sociológica.
Assim, as amostragens consideradas como menos rigorosas no estudo quantitativo, tornam-se indispensáveis (amostra intencional, acidental ou bola de neve). Um estudo mais intensivo do que extensivo torna inevitável um prolongado trabalho de campo, assim como a presença continuada do investigador num processo artesanal, próprio e ininterrupto, de teorização.
Os estudos quantitativos dividem a investigação sociológica em dois trabalhos distintos e separáveis: a construção e a execução. A teorização é intensa na fase inicial, implícita ou ausente na fase da recolha, intensa eimaginativa na fase de análise de dados. Nas metodologias qualitativas, ocorre o contrário.
Além disso, os esforços de investigação prendem-se com a descoberta das diversas formas tipificáveis, a invenção de mecanismos por elas responsáveis, tanto quanto a determinação da sua extensão e distribuição. Fica sempre bem marcada a ligação da teoria ao processo de observação e a sua emergência no próprio terreno.
A afirmação generalizada do contrutivismo e da construção da realidade como pressupostos básicos está também no topo do tratamento de metodologias qualitativas. No entanto, da afirmação de que tudo é contrução a esse pressuposto vai toda uma transformação que substitui um princípio heurístico por um axioma ontológico.
Algumas teorias eliminam qualquer abordagem causal ou explicativa de fenómenos. Outros evocam processos variados da construção da realidade (mental, colectivo/ objectivo, subjectivo, etc). Por outro lado, no plano ontológico, os que de tanto sublinhar a construção social acabam por esquecer a realidade consistente, a força das coisas e por outro lado os que não renunciam à existência da realidade por mais que se debata o seu significado.
Por fim, na combinação destas duas posturas (epistemológico e ontológico) ressalta-se certas "descoincidências" que tendem a unir aspectos das duas tendências. Posições fora do processo sistémico que transforma tudo em contingente.
Outro problema geral dos estudos qualitativos é o que deve o investigador resolver a propósito da compreensão dos fenómenos em estudo: o risco da parcialidade é grande e grave. O autor é sempre colocado na origem da determinação do sentido do que produz. A interpretação é um processo perigoso para a subjectividade do autor.
Há também a pergunta sobre se será o sentido produzido em resultado de outros princípios válido para sobrepor-se ao sentido do actor, em primeira pessoa. Se por um lado o processo de sentido não se pode esgotar na força que inicia esse processo, também é certo que nenhum processo de empatia do investigador pode ficar refém da sua subjectividade ou sentido. O próprio texto ou a própria obra funcionam como outro princípio de decifração do sentido. A materialidade da obra e a objectividade do texto constituem o lugar por excelência de determinação do sentido: o estruturalismo prescinde do autor e escolhe a estrutura da obra como espaço do sentido possível. Segundo Michel de Foucault, o enunciado será definido pela ligação a outros enunciados que lhe são contemporâneos e não pelo seu autor.
No que toca às relaçõe sociais, este princípio varia consoante a estrutura se forma em torno de relações normativas, de exploração ou dominação, de interesse ou dom. Em qualquer uma delas, porém, são as coordenadas objectivas das relações sociais que permitem estabelecer o sentido.
Os dois princípios de determinação do sentido (autor e obra) deixam de fora um terceiro, o do contexto de produção. A dimensão contextual (condições sociais, geograficas, históricas) em que a produção cultural se desenvolveu só podem ser deixadas de fora no processo meramente analítico.
Outro princípio de determinação do sentido de actividade humana é o público, na sua multiplicidade de espaços, tempos e competências. Mead e Escarpit apontam para o facto de que o escritor, quando produz, tem sempre presente a ideia de um público, quanto mais não seja ele próprio. Porém os públicos não aparecem apenas nesta função de interlocutor na criação cultural e acção social: eles são determinantes no significado da obra humana, à semelhança do interaccionismo simbólico. Ideia irreversível é a de que o processo de recepção é um elo incontornável no que toca à decifração e criação do significado.
Sem deixar de lado eventuais clivagens entre o autor e os públicos e entre os próprios públicos, o processo interpretativo devolve à comunicação, com todas as suas limitações, o lugar central na constituição do significado tal como na constituição da sociedade.
Hoje em dia, deve-se privilegiar a integração das vantagens de cada uma das perspectivas, de forma a obter uma metodologia de maior alcance.
Metodologias Qualitativas - Perspectivas Gerais, António Joaquim Esteves
Por estarem separadas dos restantes níveis que fazem parte da estratégia de investigação (metodológico, teórico e espistemológico), o tratamento das técnicas qualitativas e quantitativas é por vezes feito num esquema artificial.
Os modelos deterministas apontam para uma particular "configuração do real" que privilegia o princípio da totalidade e o postulado da elevação e estabilidade da realidade. A supremacia do quantitativo é atribuída na Sociologia enquanto o fenómeno social for constante e ocorrer no seio de um contexto, obedecendo a uma concepção orgânica da sociedade. Quando assim não é, o sociólogo contenta-se apenas com o estabelecimento de relações entre os fenómenos.
Hoje em dia, a sociedade requer outras construções teóricas, seja pela emergência de novo tipo de social, onde prevalecem relações sociais de carácter electivo, seja pela convivência entre o individual e o universal. Isto significa que os estudos quantitativos devem ser complementados com estudos qualitativos.
A construção caracteriza a sociedade como configuração social pois está na base da Sociologia como saber produzido a partir da interrogação do sociólogo. Os estudos qualitativos são os meios mais adequados ao estilo de produção e circulação de sentido neste tipo de assuntos sociais.
Karl Meter fala de "metodologia descendente" e "metodologia ascendente" como forma de quebrar a clivagem marcante entre o qualitativo e o quantitativo e criar assim modos mais construtivos de organização da metodologia sociológica.
Assim, as amostragens consideradas como menos rigorosas no estudo quantitativo, tornam-se indispensáveis (amostra intencional, acidental ou bola de neve). Um estudo mais intensivo do que extensivo torna inevitável um prolongado trabalho de campo, assim como a presença continuada do investigador num processo artesanal, próprio e ininterrupto, de teorização.
Os estudos quantitativos dividem a investigação sociológica em dois trabalhos distintos e separáveis: a construção e a execução. A teorização é intensa na fase inicial, implícita ou ausente na fase da recolha, intensa eimaginativa na fase de análise de dados. Nas metodologias qualitativas, ocorre o contrário.
Além disso, os esforços de investigação prendem-se com a descoberta das diversas formas tipificáveis, a invenção de mecanismos por elas responsáveis, tanto quanto a determinação da sua extensão e distribuição. Fica sempre bem marcada a ligação da teoria ao processo de observação e a sua emergência no próprio terreno.
A afirmação generalizada do contrutivismo e da construção da realidade como pressupostos básicos está também no topo do tratamento de metodologias qualitativas. No entanto, da afirmação de que tudo é contrução a esse pressuposto vai toda uma transformação que substitui um princípio heurístico por um axioma ontológico.
Algumas teorias eliminam qualquer abordagem causal ou explicativa de fenómenos. Outros evocam processos variados da construção da realidade (mental, colectivo/ objectivo, subjectivo, etc). Por outro lado, no plano ontológico, os que de tanto sublinhar a construção social acabam por esquecer a realidade consistente, a força das coisas e por outro lado os que não renunciam à existência da realidade por mais que se debata o seu significado.
Por fim, na combinação destas duas posturas (epistemológico e ontológico) ressalta-se certas "descoincidências" que tendem a unir aspectos das duas tendências. Posições fora do processo sistémico que transforma tudo em contingente.
Outro problema geral dos estudos qualitativos é o que deve o investigador resolver a propósito da compreensão dos fenómenos em estudo: o risco da parcialidade é grande e grave. O autor é sempre colocado na origem da determinação do sentido do que produz. A interpretação é um processo perigoso para a subjectividade do autor.
Há também a pergunta sobre se será o sentido produzido em resultado de outros princípios válido para sobrepor-se ao sentido do actor, em primeira pessoa. Se por um lado o processo de sentido não se pode esgotar na força que inicia esse processo, também é certo que nenhum processo de empatia do investigador pode ficar refém da sua subjectividade ou sentido. O próprio texto ou a própria obra funcionam como outro princípio de decifração do sentido. A materialidade da obra e a objectividade do texto constituem o lugar por excelência de determinação do sentido: o estruturalismo prescinde do autor e escolhe a estrutura da obra como espaço do sentido possível. Segundo Michel de Foucault, o enunciado será definido pela ligação a outros enunciados que lhe são contemporâneos e não pelo seu autor.
No que toca às relaçõe sociais, este princípio varia consoante a estrutura se forma em torno de relações normativas, de exploração ou dominação, de interesse ou dom. Em qualquer uma delas, porém, são as coordenadas objectivas das relações sociais que permitem estabelecer o sentido.
Os dois princípios de determinação do sentido (autor e obra) deixam de fora um terceiro, o do contexto de produção. A dimensão contextual (condições sociais, geograficas, históricas) em que a produção cultural se desenvolveu só podem ser deixadas de fora no processo meramente analítico.
Outro princípio de determinação do sentido de actividade humana é o público, na sua multiplicidade de espaços, tempos e competências. Mead e Escarpit apontam para o facto de que o escritor, quando produz, tem sempre presente a ideia de um público, quanto mais não seja ele próprio. Porém os públicos não aparecem apenas nesta função de interlocutor na criação cultural e acção social: eles são determinantes no significado da obra humana, à semelhança do interaccionismo simbólico. Ideia irreversível é a de que o processo de recepção é um elo incontornável no que toca à decifração e criação do significado.
Sem deixar de lado eventuais clivagens entre o autor e os públicos e entre os próprios públicos, o processo interpretativo devolve à comunicação, com todas as suas limitações, o lugar central na constituição do significado tal como na constituição da sociedade.
Hoje em dia, deve-se privilegiar a integração das vantagens de cada uma das perspectivas, de forma a obter uma metodologia de maior alcance.
17/10/08
MIC - Aula 2
SECÇÃO 1: TEORIAS E ABORDAGENS GERAIS ÀS QUESTÕES DE iNVESTIGAÇÃO.
I- Principais paradigmas.
O facto das ciências sociais lidarem com um tipo de conhecimento que rompe com os outros, os não racionais, designadamente os religiosos e tecnológicos, e, envolvendo todos estes, o senso comum, faz com que as ciências sociais sejam diferentes das ciências naturais: estudamos a realidade em que nós próprios vivemos ou que nos é estranha mas da qual temos pré-conceitos. Estes são um conjunto de elementos que nos explicam à partida uma realidade.
Assim, o método experimental é pouco utilizado nas ciências sociais. As ciências naturais têm uma realidade muito mais lata do que as ciências sociais: água é água, igual em todo o mundo. Já os indivíduos não são todos iguais, o que significa que a quantidade de variáveis, ou seja, de factores, que estão em jogo num simples pequeno grupo de quatro indivíduos que se queira colocar numa experiência, é tão grande que dificilmente isolamos os factores explicativos de um determinado processo. Cada indivíduo traz uma quantidade de factores mas nós não estamos a lidar com a pessoa em si, uma vez que somos todos antes disso, indivíduos sociais. Por exemplo, mesmo a idade constitui um factor social na medida em que implica um conjunto de características dos conjuntos etários que distinguem uns indivíduos dos outros.
O laboratório, em ciências sociais, é assim um artificialismo do descontexto juntamente com os factores que cada indivíduo traz: uns são mais parecidos do que outros, consoante os factores de diferenciação. Não é fácil, assim, reconstruir em laboratório uma situação nas ciências sociais: por exemplo no “Big Brother”, os concorrentes abstraem-se da câmara mas só em alguns comportamentos: na maior parte das vezes estão bem conscientes de que o observador está lá e interagem com ele. Não é fácil reproduzir os comportamentos da vida social.
As experiências em ciências sociais levam-nos a estudar com mais frequência, por exemplo, as projecções das realidades biopsíquicas: por exemplo, o facto de num ambiente totalmente desconhecido nos parecer que reconhecemos as feições familiares de alguém, ainda que à segunda vista essa pessoa não tenha nada de familiar. Há também as experiências do “intruso” no grupo: experiências em contexto real que são bastante complicadas do ponto de vista ético pois coloca-se um “intruso” no seio de um grupo, como uma escola ou um grupo que aguarda uma entrevista de emprego, de forma a observar lideranças, comportamentos, etc. Por fim, o observador participante: um investigador que está no seio de uma comunidade, vivendo efectivamente nela. O observador tem que viver um tempo longo e aprender a viver como os membros dessa comunidade.
O cientista social deve ter consciência de que nunca perde a sua exterioridade, facto que seria necessário para uma objectivação mais rigorosa. Por outro lado, temos a possibilidade de compreender por dentro aquilo que estudamos, porém sempre de maneira limitada: ponho-me no lugar do outro e estudo-o, mas nunca sou o outro nem nunca sei tudo sobre ele. Por isso, temos sempre que estar muito críticos à relação ambígua com a realidade que estudamos e daí a importância de um diário de campo pois factos que vemos hoje, amanhã já integramos em nós e já não vemos. Marc Augé fala precisamente que a vida é a relação permanente entre o que lembramos e o que esquecemos. O que esquecemos é o que nos fica no corpo, tornando-se natural, transformando-se em conhecimento sedimentado. Por isso mesmo, o observador sai por vezes do contexto que estuda para recuperar distância do seu objecto de estudo, para voltar a lembrar-se de factos que havia já integrado em si e por isso esquecido.
Da mesma forma que os cientistas naturais querem identificar as causas dos fenómenos, também os cientistas sociais querem explicar os fenómenos e as suas causas e razões. Propõem-se assim a explicar as realidades objectivas que condicionam determinados comportamentos, como por exemplo o suicídio.
Max Weber, no seu livro “Economia e Sociedade”, faz uma crítica às teorias marxistas, depois de aceder também aos trabalhos de Durkheim. Weber desenvolve as suas teorias defendendo que o cientista social tem que perceber que cada facto de estudo é singular sem cair, no entanto, na atomização. Os indivíduos agem e reflectem, tendo relações de poder mas não apenas no que toca às classes sociais, como defende Marx. Para Weber, as dinâmicas entre os indivíduos não são apenas motivadas por ordem económica. Os grupos distribuem e accionam o poder independentemente do poder económico: há grupos sociais, como por exemplo os alunos de uma aula, em que o poder económico não reflecte qualquer importância. Há antes um poder simbólico, cultural, que todos os indivíduos possuem. Por exemplo, quando dizem que alguém tem “cara de professor”. Por outro lado, tal como nós tecemos considerações sobre nós e os outros, também temos que compreender que os agentes percebem efectivamente os seus actos, produzindo e atribuindo-lhes sentido.
Alguns cientistas sócias são mais determinísticos e dizem, por exemplo, que se a mobilidade social não for acompanhada por outros recursos, nomeadamente culturais, esta não é reconhecida: a traição do modo de se representar ao mundo na mobilidade social é duramente criticada. Os empresários, cuja situação económica é alta, nem sempre acompanham esse crescimento económico com crescimento cultural. É no binómio entre a exterioridade e a interioridade que o cientista social tem que trabalhar. Ou seja, o paradigma qualitativo e quantitativo. O interaccionismo simbólico fala do quê que a sociedade impõe ao grupo que o transcende, a estrutura, de um ponto de vista mais singularizante. O interaccionismo é defendido também por Max Weber mas também Bourdieu diz que todos temos uma posição no mundo social, que se define por um conjunto de recursos que possuímos. Temos um determinado volume de capital inserido numa estrutura de capital, que nos permite uma representação. Temos sempre uma representação da nossa posição social e dos outros, estes últimos baseados na estrutura do capital.
A observação e o interaccionismo funcionam mais na escala das micro-estruturas: Bourdieu refere que “uma visão do mundo é sempre uma divisão do mundo.” Por outro lado, não existe singularidade sem contexto.
A ciência surge assim com vários campos de análise, compreendendo uma descrição, uma narração (restituindo dinâmicas de processos e relacionando-se com factos e acontecimentos), uma compreensão e uma explicação, que procura a reconstituição dos porquês.
A problemática das disciplinas, sempre acompanhada da lógica na investigação científica, pressupõe uma correcta definição de um problema que nos levará à formulação de hipóteses, baseadas nas teorias disponíveis, na informação disponível e também em algum trabalho de imaginação e invenção teórica. O passo seguinte é a pesquisa empírica, com a recolha e tratamento de informação e testes de validação das hipóteses teóricas, que nos conduzirá depois à produção de interpretações no sentido da resolução do problema. Daqui surge o conhecimento (eventualmente aplicável sobre os processos investigados); o desenvolvimento das teorias disponíveis (informações, corroborações, modificações); o desenvolvimento das problemáticas de referência e também o aparecimento de novos problemas científicos.
Os métodos quantitativos pressupõem uma objectivação pelo que é mensurável. Pressupõem também uma extensividade, ou seja, o estudo de grandes populações (amostra larga) e um tratamento estatístico dos dados recolhidos. Os métodos quantitativos requerem ainda a captação de uma “fotografia”, ou seja, a definição do momento em que as perguntas vão ser feitas, seja às pessoas ou aos documentos. Depois, o cientista vai agrupar, classificando de forma pertinente e de forma a que seja acessível: não se consegue trabalhar com cinco milhões de pessoas mas consegue-se trabalhar com cinco grupos etários. Após o que se vai operando vários recortes, várias variáveis e limpando tudo o resto. Por isso, é importante decidir bem a amostra.
A amostra é uma representação do nosso universo de estudo, do ponto de vista probabilístico, ligando-se aqui à representatividade estatística e do ponto de vista não probabilístico, ligando-se aqui à representatividade sociológica. Para bem definir a imagem de uma amostra, recorremos à comparação com uma modista e as suas amostras de tecidos, uns maiores para que se perceba bem o padrão, outros mais pequenos porque o padrão é todo igual. Também os métodos qualitativos têm amostras, por vezes. Por exemplo, a questão da profissionalização dos artistas com a selecção de casos para um trabalho de profundidade sobre a questão.
No que respeita à representatividade estatística, quando se diminui a margem de confiança, aumenta logicamente a margem de erro. Devo sempre saber o que vale, assim, a minha amostra e também o que falta.
Quanto à representatividade sociológica, nunca sei realmente o que falta e daí dever-se dizer “os inquiridos” e não “os portugueses”. A amostra aqui não é estatisticamente representativa, uma vez que a probabilidade é desconhecida.
A amostra probabilística pode, desta forma, ser aleatória simples, com uma tiragem sistemática, acarretando os perigos que são conhecidos neste tipo de amostra. A amostra aleatória simples funciona unicamente em populações com um grau de homogeneidade máximo e não em questões muito latas: por exemplo, posso tirar aleatoriamente um certo número de representantes de um grupo de raparigas louras, se o que eu quero estudar é os géneros de cabelo louro que há; não posso fazer o mesmo estudo quando na minha população existem louras e morenas pois posso correr o risco de só escolher aleatoriamente as morenas. Da mesma forma, não posso numa turma de alunos escolher aleatoriamente 5 alunos e fazer daí o meu estudo sobre a turma no geral.
A amostra probabilística pode ainda ser estratificada, recorrendo a estratos homogéneos da população que pretendo estudar, ou através de unidades e “cachos”, através de um conjunto de unidades vizinhas (cachos) ao nível das quais se operam subamostras. Por exemplo, a sondagem aureolar, com vários graus e multiepática.
No que respeita à amostragem não probabilística, esta pode ser acidental, correndo riscos semelhantes à amostra aleatória; intencional, recorrendo a uma tipificação da população em estudo; por quotas, com controlo dos conteúdos dessas mesmas quotas; em bola de neve, correndo o risco de ao crescer, arrastar consigo mais do que o desejado; e no local, com um carácter temporal e espacial. Aqui surge o exemplo do estudo da população que foi a um festival. Como estudá-la depois do evento, se já passou, se as pessoas não estão mais ali? Temos que decidir em função do calendário e do programa, por exemplo, distribuindo as nossas acções no tempo e no espaço.
I- Principais paradigmas.
O facto das ciências sociais lidarem com um tipo de conhecimento que rompe com os outros, os não racionais, designadamente os religiosos e tecnológicos, e, envolvendo todos estes, o senso comum, faz com que as ciências sociais sejam diferentes das ciências naturais: estudamos a realidade em que nós próprios vivemos ou que nos é estranha mas da qual temos pré-conceitos. Estes são um conjunto de elementos que nos explicam à partida uma realidade.
Assim, o método experimental é pouco utilizado nas ciências sociais. As ciências naturais têm uma realidade muito mais lata do que as ciências sociais: água é água, igual em todo o mundo. Já os indivíduos não são todos iguais, o que significa que a quantidade de variáveis, ou seja, de factores, que estão em jogo num simples pequeno grupo de quatro indivíduos que se queira colocar numa experiência, é tão grande que dificilmente isolamos os factores explicativos de um determinado processo. Cada indivíduo traz uma quantidade de factores mas nós não estamos a lidar com a pessoa em si, uma vez que somos todos antes disso, indivíduos sociais. Por exemplo, mesmo a idade constitui um factor social na medida em que implica um conjunto de características dos conjuntos etários que distinguem uns indivíduos dos outros.
O laboratório, em ciências sociais, é assim um artificialismo do descontexto juntamente com os factores que cada indivíduo traz: uns são mais parecidos do que outros, consoante os factores de diferenciação. Não é fácil, assim, reconstruir em laboratório uma situação nas ciências sociais: por exemplo no “Big Brother”, os concorrentes abstraem-se da câmara mas só em alguns comportamentos: na maior parte das vezes estão bem conscientes de que o observador está lá e interagem com ele. Não é fácil reproduzir os comportamentos da vida social.
As experiências em ciências sociais levam-nos a estudar com mais frequência, por exemplo, as projecções das realidades biopsíquicas: por exemplo, o facto de num ambiente totalmente desconhecido nos parecer que reconhecemos as feições familiares de alguém, ainda que à segunda vista essa pessoa não tenha nada de familiar. Há também as experiências do “intruso” no grupo: experiências em contexto real que são bastante complicadas do ponto de vista ético pois coloca-se um “intruso” no seio de um grupo, como uma escola ou um grupo que aguarda uma entrevista de emprego, de forma a observar lideranças, comportamentos, etc. Por fim, o observador participante: um investigador que está no seio de uma comunidade, vivendo efectivamente nela. O observador tem que viver um tempo longo e aprender a viver como os membros dessa comunidade.
O cientista social deve ter consciência de que nunca perde a sua exterioridade, facto que seria necessário para uma objectivação mais rigorosa. Por outro lado, temos a possibilidade de compreender por dentro aquilo que estudamos, porém sempre de maneira limitada: ponho-me no lugar do outro e estudo-o, mas nunca sou o outro nem nunca sei tudo sobre ele. Por isso, temos sempre que estar muito críticos à relação ambígua com a realidade que estudamos e daí a importância de um diário de campo pois factos que vemos hoje, amanhã já integramos em nós e já não vemos. Marc Augé fala precisamente que a vida é a relação permanente entre o que lembramos e o que esquecemos. O que esquecemos é o que nos fica no corpo, tornando-se natural, transformando-se em conhecimento sedimentado. Por isso mesmo, o observador sai por vezes do contexto que estuda para recuperar distância do seu objecto de estudo, para voltar a lembrar-se de factos que havia já integrado em si e por isso esquecido.
Da mesma forma que os cientistas naturais querem identificar as causas dos fenómenos, também os cientistas sociais querem explicar os fenómenos e as suas causas e razões. Propõem-se assim a explicar as realidades objectivas que condicionam determinados comportamentos, como por exemplo o suicídio.
Max Weber, no seu livro “Economia e Sociedade”, faz uma crítica às teorias marxistas, depois de aceder também aos trabalhos de Durkheim. Weber desenvolve as suas teorias defendendo que o cientista social tem que perceber que cada facto de estudo é singular sem cair, no entanto, na atomização. Os indivíduos agem e reflectem, tendo relações de poder mas não apenas no que toca às classes sociais, como defende Marx. Para Weber, as dinâmicas entre os indivíduos não são apenas motivadas por ordem económica. Os grupos distribuem e accionam o poder independentemente do poder económico: há grupos sociais, como por exemplo os alunos de uma aula, em que o poder económico não reflecte qualquer importância. Há antes um poder simbólico, cultural, que todos os indivíduos possuem. Por exemplo, quando dizem que alguém tem “cara de professor”. Por outro lado, tal como nós tecemos considerações sobre nós e os outros, também temos que compreender que os agentes percebem efectivamente os seus actos, produzindo e atribuindo-lhes sentido.
Alguns cientistas sócias são mais determinísticos e dizem, por exemplo, que se a mobilidade social não for acompanhada por outros recursos, nomeadamente culturais, esta não é reconhecida: a traição do modo de se representar ao mundo na mobilidade social é duramente criticada. Os empresários, cuja situação económica é alta, nem sempre acompanham esse crescimento económico com crescimento cultural. É no binómio entre a exterioridade e a interioridade que o cientista social tem que trabalhar. Ou seja, o paradigma qualitativo e quantitativo. O interaccionismo simbólico fala do quê que a sociedade impõe ao grupo que o transcende, a estrutura, de um ponto de vista mais singularizante. O interaccionismo é defendido também por Max Weber mas também Bourdieu diz que todos temos uma posição no mundo social, que se define por um conjunto de recursos que possuímos. Temos um determinado volume de capital inserido numa estrutura de capital, que nos permite uma representação. Temos sempre uma representação da nossa posição social e dos outros, estes últimos baseados na estrutura do capital.
A observação e o interaccionismo funcionam mais na escala das micro-estruturas: Bourdieu refere que “uma visão do mundo é sempre uma divisão do mundo.” Por outro lado, não existe singularidade sem contexto.
A ciência surge assim com vários campos de análise, compreendendo uma descrição, uma narração (restituindo dinâmicas de processos e relacionando-se com factos e acontecimentos), uma compreensão e uma explicação, que procura a reconstituição dos porquês.
A problemática das disciplinas, sempre acompanhada da lógica na investigação científica, pressupõe uma correcta definição de um problema que nos levará à formulação de hipóteses, baseadas nas teorias disponíveis, na informação disponível e também em algum trabalho de imaginação e invenção teórica. O passo seguinte é a pesquisa empírica, com a recolha e tratamento de informação e testes de validação das hipóteses teóricas, que nos conduzirá depois à produção de interpretações no sentido da resolução do problema. Daqui surge o conhecimento (eventualmente aplicável sobre os processos investigados); o desenvolvimento das teorias disponíveis (informações, corroborações, modificações); o desenvolvimento das problemáticas de referência e também o aparecimento de novos problemas científicos.
Os métodos quantitativos pressupõem uma objectivação pelo que é mensurável. Pressupõem também uma extensividade, ou seja, o estudo de grandes populações (amostra larga) e um tratamento estatístico dos dados recolhidos. Os métodos quantitativos requerem ainda a captação de uma “fotografia”, ou seja, a definição do momento em que as perguntas vão ser feitas, seja às pessoas ou aos documentos. Depois, o cientista vai agrupar, classificando de forma pertinente e de forma a que seja acessível: não se consegue trabalhar com cinco milhões de pessoas mas consegue-se trabalhar com cinco grupos etários. Após o que se vai operando vários recortes, várias variáveis e limpando tudo o resto. Por isso, é importante decidir bem a amostra.
A amostra é uma representação do nosso universo de estudo, do ponto de vista probabilístico, ligando-se aqui à representatividade estatística e do ponto de vista não probabilístico, ligando-se aqui à representatividade sociológica. Para bem definir a imagem de uma amostra, recorremos à comparação com uma modista e as suas amostras de tecidos, uns maiores para que se perceba bem o padrão, outros mais pequenos porque o padrão é todo igual. Também os métodos qualitativos têm amostras, por vezes. Por exemplo, a questão da profissionalização dos artistas com a selecção de casos para um trabalho de profundidade sobre a questão.
No que respeita à representatividade estatística, quando se diminui a margem de confiança, aumenta logicamente a margem de erro. Devo sempre saber o que vale, assim, a minha amostra e também o que falta.
Quanto à representatividade sociológica, nunca sei realmente o que falta e daí dever-se dizer “os inquiridos” e não “os portugueses”. A amostra aqui não é estatisticamente representativa, uma vez que a probabilidade é desconhecida.
A amostra probabilística pode, desta forma, ser aleatória simples, com uma tiragem sistemática, acarretando os perigos que são conhecidos neste tipo de amostra. A amostra aleatória simples funciona unicamente em populações com um grau de homogeneidade máximo e não em questões muito latas: por exemplo, posso tirar aleatoriamente um certo número de representantes de um grupo de raparigas louras, se o que eu quero estudar é os géneros de cabelo louro que há; não posso fazer o mesmo estudo quando na minha população existem louras e morenas pois posso correr o risco de só escolher aleatoriamente as morenas. Da mesma forma, não posso numa turma de alunos escolher aleatoriamente 5 alunos e fazer daí o meu estudo sobre a turma no geral.
A amostra probabilística pode ainda ser estratificada, recorrendo a estratos homogéneos da população que pretendo estudar, ou através de unidades e “cachos”, através de um conjunto de unidades vizinhas (cachos) ao nível das quais se operam subamostras. Por exemplo, a sondagem aureolar, com vários graus e multiepática.
No que respeita à amostragem não probabilística, esta pode ser acidental, correndo riscos semelhantes à amostra aleatória; intencional, recorrendo a uma tipificação da população em estudo; por quotas, com controlo dos conteúdos dessas mesmas quotas; em bola de neve, correndo o risco de ao crescer, arrastar consigo mais do que o desejado; e no local, com um carácter temporal e espacial. Aqui surge o exemplo do estudo da população que foi a um festival. Como estudá-la depois do evento, se já passou, se as pessoas não estão mais ali? Temos que decidir em função do calendário e do programa, por exemplo, distribuindo as nossas acções no tempo e no espaço.
15/10/08
MIC - Aula 1
SECÇÃO 1: TEORIAS E ABORDAGENS GERAIS ÀS QUESTÕES DE iNVESTIGAÇÃO.
I- Principais paradigmas.
No que respeita à investigação aplicada, a informação que recolhemos não é uma operação que dependa directamente ou sequer de cada um de nós: por exemplo, muitos quadros políticos e administrativos suportam decisões com as quais não estão de acordo mas que se baseiam em estudos.
Desta forma, temos primeiro que identificar o que procuramos e em função disso entender a linguagem do que nos pediram: a clareza do problema é fundamental para a investigação. Depois, há-que ter a noção do tipo de informação de que preciso para saber que tipo de elementos vou recolher. Trata-se de saber onde está a informação e de que forma, uma vez que os documentos não existem exclusivamente para nós: temos de saber como foram construídos para saber o que podemos tirar para nós e aí fazer a nossa análise secundária, sabendo para quê que os documentos nos podem servir.
Em relação aos estudos de mercado, é preciso, ao pedi-los, saber o que se quer pedir para que o resultado não saia frustrado: temos que criar uma relação de entendimento com indivíduos que não falam a mesma linguagem que nós.
Por fim, há situações em que temos nós que lidar com o sujeito e procurar a informação, perguntando directamente. Trata-se de uma relação humana e social, com emoções, pré-conceitos, empatias, etc. Por vezes as ideias estão claras mas não se consegue comunicar. Pierre Bordieu afirma mesmo que "A maldição das ciências humanas é terem que lidar com um objecto que fala". Esta frase significa que temos que lidar com indivíduos que não são iguais a nós.
Após decidida a perspectiva de abordagem ao documento, há-que catalogar a informação, produzindo dados estatísticos de análise qualitativa e quantitativa que combinarão o sentido do documento com aquilo que procuramos. Ou então, ir à procura de um dado específico e não médio, quando queremos perceber o que foge à realidade. Os dados não permitem todos o mesmo tipo de tratamento: é importante "não somar batatas com feijões a não ser que se esteja a contabilizar quantos vegetais."
Parte-se então para a interpretação dos dados, onde temos que voltar ao problema, uma vez que a informação, por vezes, diz-nos coisas que não estávamos à espera. Numa perspectiva, produzimos ciência, noutra produzimos informação válida mas não necessariamente ciência. Porém, o que quer que se faça deve ser validado cientificamente, não querendo com isto dizer que a ciência seja a melhor explicação de todas.
Durante muito tempo viveu-se na crença de que o paradigma positivista, no qual a crença de uma explicação única para determinados fenómenos apelava a um acesso absoluto à verdade, era a abordagem mais respeitada. Sabemos, porém, que a ciência não é conhecimento absoluto e que dentro da mesma ciência há interpretações diferentes, que variam consoante o lugar, o cientista ou as provas. Perguntamo-nos agora se será a ciência o melhor conhecimento que podemos construir, sendo que o valor da ciência é diferente do valor que a sociedade atribui à ciência.
No entanto, a ciência é o único conhecimento que é provado e como sabemos, cada problema tem o seu contexto e o mesmo problema pode ser perspectivado de várias maneiras: as condições mudam muito conforme as realidades que estudamos, pelo que a ciência tem que racionalizar as distâncias.
Afastamo-nos cada vez mais de Durkheim, que diz que se deve tratar os factos sociais como coisas, ou seja, as pessoas como um objecto de análise. Nada mais errado: mesmo que nos distanciemos do objecto, ele vai sempre reagir à abordagem. Devemos ser racionais, procurando manter a ideia de que o objecto é uma pessoa que reage. Esta racionalização nas ciências sociais é uma matéria muito complicada de alcançar: toda a observação em ciências sociais é uma relação social directa ou indirecta, de nós com os outros. Eu estou sempre a interpretar, pelo que o Positivismo não pode ser hoje em dia defendido, nem nas ciências naturais.
Temos então sempre uma opinião sobre tudo o que diz o cientista social, tendo a ciência uma validade interna que é geralmente mais valorizada mas que possui regras próprias. É o senso comum que faz o nosso dia-a-dia, sem o qual não existiríamos e a partir do qual seleccionamos informação. Isto vem contradizer o que diz Durkheim, que aponta para a reificação do poder científico, dando um poder social aos cientistas através de regras do método sociológico. Durkheim diz que se há uma ordem natural tem que haver uma ordem social e classifica a sociologia como uma ciência de síntese de todas as outras ciências.
Concretamente, Durkheim estuda o suicídio e classifica-o como um acto solitário cuja explicação vinha da Psiquiatria. Durkheim explica que quanto mais desenvolvido for o país onde se encontra a pessoa, maior a taxa de suicídio o que, entre outros valores estudados, o leva a concluir que o suicídio é uma doença social que depende da anomia, ou seja, o grau de integração ou desprendimento do indivíduo na sociedade. Nas sociedades mecânicas, por oposição às sociedades orgânicas, a taxa de suicídio é maior.
A ciência é um conhecimento específico, com regras, com base na razão. É um modo de ver e interpretar o mundo em que o conhecimento é construído por demarcação com outras formas de conhecimento mas onde a ruptura nunca é absoluta. A corrente científica neo-marxista aponta de novo para o conceito de classe social, embora não existam classes visíveis e separadas mas continuam a explicar estilos de vida em sociedade. As correntes de Marx não são as dominantes porque toda a interpretação de Marx é no sentido político de uma mudança de uma determinada sociedade. Marx tem a perspectiva do conflito, do poder, onde a luta é fundamental na sua perspectiva sobre a sociedade. Já outros perspectivam a mudança através de uma relação harmoniosa: a função entre os grupos sociais, o Funcionalismo.
Através das correntes funcionalistas, estuda-se como podem funcionar em harmonia as classes sociais, tentando perceber para resolver o conflito. Se o conflito marxista leva à revolução, a função leva à harmonização. Os funcionalistas defendem certos momentos, como por exemplo o Carnaval, em que a sociedade pode transgredir as normas estabelecidas. Voltando a Marx, este proclama que o proletariado deve entrar em revolução pois não existe mais capital do que força. Algumas das suas constatações, num determinado tempo, são válidas.
Em relação à dicotomia hermenêutica/ holismo, não existe neutralidade mas é bom que não se caia na total hermenêutica, que é o outro extremo, ou seja, a explicação de tudo pela fenomenologia, pelo existencialismo. As ciências sociais situam-se entre os holísticos e os paradigmas singulares hermenêuticos, caindo, como diz Bourdieu, no "senso comum doutro".
Quanto aos investigadores e cientistas, todos têm um valor social, uns mais que os outros e os que têm maior poder intimidam por isso mesmo. A observação é uma relação social de poder de saber especializado, científico. Assim, é também pela crítica holística que se defende que é preciso explicar. A ruptura com o senso comum significa precisamente que temos que estar mais atentos ao próprio senso comum com o qual rompemos. Ou seja, a estrutura enquanto conjunto de valores, normas, comportamentos e instituições da sociedade que não vemos mas que temos que perceber onde estão. A estrutura influenciando os sujeitos e as práticas e vice-versa. O cientista social deve estar atento a essa relação, ou seja, ao senso-comum.
As estruturas são assim mostradas pelos indivíduos e suas acções: "As estruturas sociais são estruturadas e estruturantes", diz-nos mais uma vez Bourdieu. A. Giddens refere ainda que "Há uma dupla estruturação das estruturas. As estruturas sociais são duais e só existem através dos sujeitos." Assim, os sujeitos são reflexivos, ou seja, exprimem as estruturas e mudam-nas.
Quanto à razão, como paradigma poderemos prestar atenção às teorias sobre o desenvolvimento. Rostow define-nos teorias etnocêntricas do desenvolvimento, modelo que serve de base ao mundo da indústria, por exemplo. No entanto, há teorias que falam da corrupção e exploração dos países em desenvolvimento, apontando-os não como atrasados mas como explorados e reprimidos. Isto significa que temos que olhar para a realidade e vesti-la conforme as suas particularidades, confrontando o conhecimento com a realidade e vendo se a realidade mudou. Os modelos não podem ser enfiados à força na sociedade.
A razão significa uma ruptura com o que parece evidente, perguntando sempre sobre o que está construído (a boa ciência está na pergunta e não na resposta) e colocando uma hipótese que esteja sempre sujeita à prova e à refutação: as hipóteses têm sempre que resistir ao seu contrário.
I- Principais paradigmas.

Desta forma, temos primeiro que identificar o que procuramos e em função disso entender a linguagem do que nos pediram: a clareza do problema é fundamental para a investigação. Depois, há-que ter a noção do tipo de informação de que preciso para saber que tipo de elementos vou recolher. Trata-se de saber onde está a informação e de que forma, uma vez que os documentos não existem exclusivamente para nós: temos de saber como foram construídos para saber o que podemos tirar para nós e aí fazer a nossa análise secundária, sabendo para quê que os documentos nos podem servir.
Em relação aos estudos de mercado, é preciso, ao pedi-los, saber o que se quer pedir para que o resultado não saia frustrado: temos que criar uma relação de entendimento com indivíduos que não falam a mesma linguagem que nós.
Por fim, há situações em que temos nós que lidar com o sujeito e procurar a informação, perguntando directamente. Trata-se de uma relação humana e social, com emoções, pré-conceitos, empatias, etc. Por vezes as ideias estão claras mas não se consegue comunicar. Pierre Bordieu afirma mesmo que "A maldição das ciências humanas é terem que lidar com um objecto que fala". Esta frase significa que temos que lidar com indivíduos que não são iguais a nós.
Após decidida a perspectiva de abordagem ao documento, há-que catalogar a informação, produzindo dados estatísticos de análise qualitativa e quantitativa que combinarão o sentido do documento com aquilo que procuramos. Ou então, ir à procura de um dado específico e não médio, quando queremos perceber o que foge à realidade. Os dados não permitem todos o mesmo tipo de tratamento: é importante "não somar batatas com feijões a não ser que se esteja a contabilizar quantos vegetais."
Parte-se então para a interpretação dos dados, onde temos que voltar ao problema, uma vez que a informação, por vezes, diz-nos coisas que não estávamos à espera. Numa perspectiva, produzimos ciência, noutra produzimos informação válida mas não necessariamente ciência. Porém, o que quer que se faça deve ser validado cientificamente, não querendo com isto dizer que a ciência seja a melhor explicação de todas.
Durante muito tempo viveu-se na crença de que o paradigma positivista, no qual a crença de uma explicação única para determinados fenómenos apelava a um acesso absoluto à verdade, era a abordagem mais respeitada. Sabemos, porém, que a ciência não é conhecimento absoluto e que dentro da mesma ciência há interpretações diferentes, que variam consoante o lugar, o cientista ou as provas. Perguntamo-nos agora se será a ciência o melhor conhecimento que podemos construir, sendo que o valor da ciência é diferente do valor que a sociedade atribui à ciência.
No entanto, a ciência é o único conhecimento que é provado e como sabemos, cada problema tem o seu contexto e o mesmo problema pode ser perspectivado de várias maneiras: as condições mudam muito conforme as realidades que estudamos, pelo que a ciência tem que racionalizar as distâncias.
Afastamo-nos cada vez mais de Durkheim, que diz que se deve tratar os factos sociais como coisas, ou seja, as pessoas como um objecto de análise. Nada mais errado: mesmo que nos distanciemos do objecto, ele vai sempre reagir à abordagem. Devemos ser racionais, procurando manter a ideia de que o objecto é uma pessoa que reage. Esta racionalização nas ciências sociais é uma matéria muito complicada de alcançar: toda a observação em ciências sociais é uma relação social directa ou indirecta, de nós com os outros. Eu estou sempre a interpretar, pelo que o Positivismo não pode ser hoje em dia defendido, nem nas ciências naturais.
Temos então sempre uma opinião sobre tudo o que diz o cientista social, tendo a ciência uma validade interna que é geralmente mais valorizada mas que possui regras próprias. É o senso comum que faz o nosso dia-a-dia, sem o qual não existiríamos e a partir do qual seleccionamos informação. Isto vem contradizer o que diz Durkheim, que aponta para a reificação do poder científico, dando um poder social aos cientistas através de regras do método sociológico. Durkheim diz que se há uma ordem natural tem que haver uma ordem social e classifica a sociologia como uma ciência de síntese de todas as outras ciências.
Concretamente, Durkheim estuda o suicídio e classifica-o como um acto solitário cuja explicação vinha da Psiquiatria. Durkheim explica que quanto mais desenvolvido for o país onde se encontra a pessoa, maior a taxa de suicídio o que, entre outros valores estudados, o leva a concluir que o suicídio é uma doença social que depende da anomia, ou seja, o grau de integração ou desprendimento do indivíduo na sociedade. Nas sociedades mecânicas, por oposição às sociedades orgânicas, a taxa de suicídio é maior.
A ciência é um conhecimento específico, com regras, com base na razão. É um modo de ver e interpretar o mundo em que o conhecimento é construído por demarcação com outras formas de conhecimento mas onde a ruptura nunca é absoluta. A corrente científica neo-marxista aponta de novo para o conceito de classe social, embora não existam classes visíveis e separadas mas continuam a explicar estilos de vida em sociedade. As correntes de Marx não são as dominantes porque toda a interpretação de Marx é no sentido político de uma mudança de uma determinada sociedade. Marx tem a perspectiva do conflito, do poder, onde a luta é fundamental na sua perspectiva sobre a sociedade. Já outros perspectivam a mudança através de uma relação harmoniosa: a função entre os grupos sociais, o Funcionalismo.
Através das correntes funcionalistas, estuda-se como podem funcionar em harmonia as classes sociais, tentando perceber para resolver o conflito. Se o conflito marxista leva à revolução, a função leva à harmonização. Os funcionalistas defendem certos momentos, como por exemplo o Carnaval, em que a sociedade pode transgredir as normas estabelecidas. Voltando a Marx, este proclama que o proletariado deve entrar em revolução pois não existe mais capital do que força. Algumas das suas constatações, num determinado tempo, são válidas.
Em relação à dicotomia hermenêutica/ holismo, não existe neutralidade mas é bom que não se caia na total hermenêutica, que é o outro extremo, ou seja, a explicação de tudo pela fenomenologia, pelo existencialismo. As ciências sociais situam-se entre os holísticos e os paradigmas singulares hermenêuticos, caindo, como diz Bourdieu, no "senso comum doutro".
Quanto aos investigadores e cientistas, todos têm um valor social, uns mais que os outros e os que têm maior poder intimidam por isso mesmo. A observação é uma relação social de poder de saber especializado, científico. Assim, é também pela crítica holística que se defende que é preciso explicar. A ruptura com o senso comum significa precisamente que temos que estar mais atentos ao próprio senso comum com o qual rompemos. Ou seja, a estrutura enquanto conjunto de valores, normas, comportamentos e instituições da sociedade que não vemos mas que temos que perceber onde estão. A estrutura influenciando os sujeitos e as práticas e vice-versa. O cientista social deve estar atento a essa relação, ou seja, ao senso-comum.
As estruturas são assim mostradas pelos indivíduos e suas acções: "As estruturas sociais são estruturadas e estruturantes", diz-nos mais uma vez Bourdieu. A. Giddens refere ainda que "Há uma dupla estruturação das estruturas. As estruturas sociais são duais e só existem através dos sujeitos." Assim, os sujeitos são reflexivos, ou seja, exprimem as estruturas e mudam-nas.
Quanto à razão, como paradigma poderemos prestar atenção às teorias sobre o desenvolvimento. Rostow define-nos teorias etnocêntricas do desenvolvimento, modelo que serve de base ao mundo da indústria, por exemplo. No entanto, há teorias que falam da corrupção e exploração dos países em desenvolvimento, apontando-os não como atrasados mas como explorados e reprimidos. Isto significa que temos que olhar para a realidade e vesti-la conforme as suas particularidades, confrontando o conhecimento com a realidade e vendo se a realidade mudou. Os modelos não podem ser enfiados à força na sociedade.
A razão significa uma ruptura com o que parece evidente, perguntando sempre sobre o que está construído (a boa ciência está na pergunta e não na resposta) e colocando uma hipótese que esteja sempre sujeita à prova e à refutação: as hipóteses têm sempre que resistir ao seu contrário.
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