21/10/08

HMC - Aula 7

V - GUERRA FRIA
5.1. Noção de Guerra Fria
5.2. Inicio da Guerra Fria ("Golpe de Praga")
5.3. Formação dos blocos ideológicos, económicos e militares

Após o final da II Guerra Mundial e com a derrota do Nazismo-Fascismo em todo o mundo, começam a aumentar as diferenças entre os dois blocos ideológicos restantes e vencedores da guerra, o bloco ocidental, constituídos pelos liberais capitalistas e o bloco de leste, constituído pelos socialistas comunistas. Esta tensão entre os dois é de tal ordem que Churchill, numa conferência em Zurique, chega a falar de uma "cortina de ferro" que separa o mundo capitalista do mundo comunista, tais são as diferenças ideológicas que os separam. Trata-se, assim, do nascimento de uma situação que se prolongará até ao início dos anos 90 e que ficará conhecida para a História como o período de Guerra Fria entre o Ocidente e o Leste. Guerra porque há um corte total das relações diplomáticas entre os dois blocos e fria porque não envolve o confronto armado directo. Este período foi também apelidade de "equilíbrio de terror": equilíbrio porque não existe confronto bélico e o terror associado ao facto de ambas as potências possuirem armamento atómico, capaz de destruir o planeta.

Raymond Aaron define a situação durante a Guerra Fria com uma citação que se tornou famosa no decorrer da História: "Paz impossível, guerra improvável". A paz era impossível na medida em que os dois grandes blocos ideológicos mantinham ideais tão contrários que jamais haveria um entendimento mútuo; mas por outro lado, a guerra é improvável devido ao medo mútuo de utilização de armamento nuclear.

Vive-se, então, um num mundo bipolarizado entre o Ocidente, onde prevalecem os valores do Liberalismo e da economia de mercado e onde os Estados Unidos são os grandes líderes e o Leste, onde os valores do socialismo, comunismo e a economia de planeamento e a supremacia do proletariado, embora com algumas limitações à liberdade, prevalecem.

George Kennan aponta uma razão possível para a Guerra Fria. Este diplomata americano em Moscovo escreveu um artigo que enviou por telegrama para Washington e que chegou ao destinatário sem que a KGB o intercalasse. Como o assinava com um xis, ficou conhecido como "Artigo X" ou "Longo Telegrama". Nele, Kennan diz que não existe qualquer oportunidade de cooperação entre o capitalismo e o comunismo, uma vez que os sistemas são incompatíveis em todas as áreas fulcrais da vida: economia, finanças, política, cultura... Assim, só poderá haver um combate de vida ou morte entre ambos. Mesmo porque, segundo Kennan, os dois tipos de economia dos blocos ideológicos anulam-se um ao outro: a propriedade privada anula a propriedade colectiva e vice-versa. Refere que a guerra será duradoura e unirá muitos esforços a nível mundial. Fala ainda de uma União Soviética que é o prolongamento do imperialismo russo e que tudo fará para ir sempre alargando o seu território.

As explicações de Kennan são aceites pelo presidente norte-americano Harry Truman, que passa a tomar medidas para combater o avanço comunista, naquela que passa a ser conhecida como a "Doutrina Truman": uma política de contenção do avanço comunista, utilizando para isso todos os meios possíveis.

Do lado soviético, a explicação para a Guerra Fria surge por parte de um general russo e depois de toda a comunidade soviética. Este diz que a União Soviética deve estar preparada para uma guerra com os países liberais na medida em que o objectivo inicial do comunismo é sempre abater o capitalismo. Relembra Marx e o Manifesto Comunista, que apela à união mundial de todo o proletariado e que afirma que o Comunismo só pode sobreviver se o mundo inteiro for comunista. É, por isso, objectivo estabelecer uma revolução mundial global.

De uma forma ou de outra, é entendido pelas duas partes que a guerra é de vida ou morte e existe um clima de desconfiança mútua: ambos pensam que a outra parte estará pronta a atacar as suas forças a qualquer momento. Neste sentido, ambos os blocos começam a preparar a defesa e o ataque: o único factor que os trava de iniciar um conflito armado é a posse por ambos de armamento nuclear.

A nível geográfico, o bloco ocidental compreende a América do Norte, a América Latina (diversos movimentos de esquerda, como Allende no Chile ou Kubitscheck no Brasil são dizimados pelos norte-americanos), a Europa Ocidental e a Austrália. O bloco de leste compreende a União Soviética, os países satélite da Europa de Leste e mais tarde, após a revolução maoísta, a China. Existe uma zona "cinzenta" em todo o continente africano: no processo de descolonização, guerras sangrentas entre comunistas e liberais tomam conta da maior parte dos países, com cada uma das forças em causa a ser patrocinada ora pelos Estados Unidos ora pela União Soviética.

A nível militar, desde o final da II Guerra que há a assinatura de vários pactos militares. O primeiro, entre a França e o Reino Unido, em 1946, vira-se contra o possível reaparecimento da força militar alemã. Em 1948 o Benelux une-se, através do "Pacto de Bruxelas". A Europa pede ajuda aos Estados Unidos contra a ameaça nuclear e os americanos concedem armamento nuclear aos seus países europeus aliados.

A 4 de Abril de 1949 nasce o Pacto Militar do Atlântico Norte, que institui a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Inicialmente, França, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, Noruega, Dinamarca, Islândia, Estados Unidos, Canadá e Portugal formam um pacto militar defensivo que funciona apenas no caso de um estado membro ser atacado, ou seja, só funciona em caso de agressão externa a um estado membro. Esta noção da OTAN veio a ser alterada depois da Guerra Fria, em que passa a ter uma actuação agressiva e ofensiva.

A OTAN é constituída por duas organizações: o Conselho da OTAN é uma organização política constituída pelos ministros dos negócios estrangeiros e que reúne duas vezes por ano, podendo contar também com a presença de ministros das finanças e de chefes de estado; há depois uma Organização Militar da OTAN sob dois comandos, o do Atlântico e o da Europa. Interessante aqui referir que os Açores, território de extrema importância estratégica que motivou a entrada do Portugal fascista logo no início, como 12º membro fundador da OTAN, pertencem ao comando do Atlântico da OTAN e não à Europa. Os Açores foram desde sempre um arquipélago altamente cobiçado pelos Estados Unidos, que preparavam um golpe em 1974 caso os comunistas triunfassem após a revolução do 25 de Abril: não querendo perder esse ponto estratégico a meio caminho da Europa, os Estados Unidos tinham já organizado um falso movimento pela independência dos Açores, que seria imediatamente reconhecida por eles, à semelhança do aconteceu no Kosovo, caso o governo instalado pós-fascismo fosse comunista e por conseguinte ligado à União Soviética.

Polémicas à parte, a função da OTAN nesta altura é a de defender o mundo liberal do possível ataque comunista.

Do lado Soviético, surge em 1955 o Pacto de Varsóvia, seis anos depois da instituição da OTAN. O principal motivo que leva à criação do Pacto de Varsóvia é o rearmamento alemão: só depois dos ociedntais darem novamente armas à Alemanha é que os de leste resolvem fazer o Pacto de Varsóvia. Importa referir que em 1949 os ocidentais devolvem a soberania às três partes alemãs ocidentais: Churchill refere que o único país com força suficiente, na Europa, para combater os comunistas era a Alemanha, que representa uma fronteira contra o avanço comunista e como tal, o rearmamento neste país é feito rapidamente Em 1954 a Alemanha entra na OTAN e como reacção, a União Soviética assina o Pacto de Varsóvia.

Pela mesma altura, os Estados Unidos passam armamento nuclear para a Europa Ocidental e começa a corrida entre os dois blocos para ver quem possui maior quantidade de armamento atómico.

A nível económico, aos liberais interessa uma população rica, satisfeita, que garanta um apoio contra o comunismo e que seja capaz de apoiar as ideologias ocidentais. Para isso, é importante que a recuperação económica seja rápida e bem sucedida e como tal surge nesta altura o "Plano Marshall", do secretário de estado norte-americano George Marshall. Este plano, de 1947, diz respeito à oferta de ajuda americana para a reconstrução de todos os países que sofreram com a II Guerra Mundial. Ajuda aos ocidentais, claro. De faco, a situação da Checoslováquia, entalada no centro europeu, é paradigmática: com um governo misto de liberais e comunistas, a teoria vigente até há poucos anos era a de que Stalin tinha proibido a ajuda norte-americana ao país. No entanto, soube-se recentemente que nunca fez parte dos planos norte-americanos prestar ajuda a nenhum país de leste, como a Checoslováquia ou a Polónia.

Esta ajuda de Marshall é gratuita em 85%, maciça, crucial para a recuperação da Europa. Compreende ainda a transferência tecnologia, profissionais, de forma a que seja possível uma rápida e forte recuperação económica de toda a Europa ocidental. E aconteceu, de facto, um crescimento extraordinário, muito baseado na vontade de defender os regimes ocidentais contra o comunismo. O revés da medalha tem a ver com o facto da Europa estar agora dependente dos Estados Unidos: as empresas, materiais, tecnologia são americanas e como tal a Europa vê-se num neocolonialismo, desta vez como uma colónia com a metrópole situada na América do Norte.

A Leste, surge o Comecom, um comité de ajuda mútua organizado entre países do regime soviético através do sistema da economia de planeamento. Cada país membro dedica-se a uma actividade económica para a qual está vocacionado. Por exemplo, a Polónia maioritariamente rural produz trigo e milho, a Checoslováquia mais industrial produz automóveis, etc. Na realidade, este processo de ajuda mútua serve mais para fomentar o imperialismo russo, que se aproveita das riquezas naturais dos estados satélite que controla.

A nível político, o bloco ocidental cria organizações de defesa dos valores liberais, enquanto os soviéticos criam um comité de controlo sobre os países satélite, de forma a que não fujam à doutrina imposta do comunismo de partido único.

A nível das origens, há muitas teorias quanto ao início da Guerra Fria. Alguns autores apontam 1917, a chegada dos bolcheviques ao poder, como o início do conflito; outros falam da 2ª Guerra Mundial, outros da Batalha de Stalingrado, etc. Efectivamente, o primeiro conflito armado entre os dois blocos ideológicos acontece na Grécia.

Em 1939, Mussolini invadira a Grécia mas sem sucesso: apenas com a ajuda de Hitler os italianos conseguem empurrar os gregos e os apoiantes de Churchill para Creta, ocupando aquele país. No entanto, a Norte, perto da fronteira com a Jugoslávia, mantinha-se uma resistência comunista ao fascismo e a Sul uma resistência liberal contra os alemães. Em 1947 acontecem eleições na Grécia, onde os partidários do ocidente ganham. Essas eleições são consideradas fraudulentas pelos comunistas e instala-se uma guerra civil entre ambas as ideologias: a Norte apoia-se o comunismo e a Sul o Ocidente. Tratou-se de uma guerra dura, em que os comunistas avançavam no terreno e só depois da intervenção directa dos Estados Unidos é que são derrotados. Trata-se, contudo, da primeira batalha directa entre os dois blocos mas onde Stalin não intervem. Stalin, respeitando o acordo de Ialta, reafirma que a Grécia pertence ao domínio ocidental e como tal não existe reacção soviética nesta guerra civil.

A reacção vai existir sim aquando do chamado "Golpe de Praga". Em 1938, Hitler entrou na Checoslováquia e em 1939 a ocupação nazi era total e foi pacífica. No fim da guerra, dá-se eleições democráticas e quem ganha são os comunistas mas sem maioria absoluta. Forma-se um governo minoritário de salvação nacional e dentro desse governo estão liberais e comunistas. A morte de um elemento do governo liberal desencadeia a dúvida sobre suicídio ou assassinato por parte dos comunistas, o que leva a um clima de tensão entre as duas forças no governo. Posteriormente rompe-se o acordo entre ambos: os comunistas começam a ocupar fábricas, escolas, armazéns, levando a uma tomada violenta do poder que é considerada um golpe de estado.

Os americanos entendem também como uma violação das leis a chegada dos comunistas ao poder e acabam-se as negociações entre os dois blocos. Os laços são cortados e instala-se entre ocidente e leste uma guerra fria rígida, com um corte radical das relações entre os dois mundos.

Num clima de guerra, onde a tensão é imensa, surge também a guerra ideológica, com ambas as potências a denegrir a imagem da outra. As organizações militares estão montadas (OTAN e Varsóvia) e a nível económico os estados protegem-se (Marshal e Comecom). No Leste, a recuperação económica é extraordinária, só sendo o resultado inferior ao americano pois partem de uma situação de destruição total deixada pela II Guerra enquanto a América ficou intocada pelo conflito e, pelo contrário, ganhou até com a venda de armamento e o crédito. A União Soviética peca apenas pela falta de motivação que um regime comunista com aqueles contornos impôe naturalmente nos seus habitantes.

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