5.6. "Revoltas" no bloco de leste (Jugoslávia, Polónia, Hungria, Checoslováquia) e no bloco de oeste (França, República Federal da Alemanha)
Durante a Guerra Fria, surgem alguns conflitos, quer no bloco de leste quer no bloco ocidental, de países que tentam fugir aos regimes "impostos", quer por Moscovo, quer por Washington, tentando assim não alinhar com nenhuma das super potências.
De 1941 a 1945, exactamente durante a Segunda Guerra Mundial, italianos e alemães ocuparam a Jugoslávia, e Hitler e Mussolini impuseram o seu regime, fazendo com que católicos e muçulmanos ficassem contra os próprios sérvios, judeus e ciganos. Isso resultou em muita matança e muitas atrocidades. Assim surgiram movimentos de resistência, nos quais os partizans - guerrilheiros comunistas de Josip Broz Tito, primeiro-ministro jugoslavo de 1945 a 1953 e presidente de 1953 a 1980, nascido na Croácia - e soldados monárquicos conhecidos como chetniks, lutaram contra a ocupação e conseguiram libertar-se sem a ajuda do Exército Vermelho. Tito fundou a República Socialista Federativa da Jugoslávia, que agrupava seis repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovénia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Macedónia. Ele criou também um sistema rotativo para o governo, para as repúblicas não ficarem insatisfeitas, que consistia na indicação do presidente a cada período ser feita por cada uma das repúblicas. O regime iugoslavo sob Tito ficou conhecido como titoísmo.
Uma anedota que sintetizava o sistema político-étnico da Jugoslávia sob Tito era: "Seis repúblicas, cinco etnias, quatro línguas, três religiões, dois alfabetos e um Partido".
Tito seguiu uma linha de independência em relação às orientações de Moscovo, enfurecendo a liderança soviética. Em 1948, os dois países romperam oficialmente, a Jugoslávia foi expulsa do Comintern, dando início ao período do Informbiro nos Balcãs. Com a desestalinização, Nikita Khruschov restaurou e normalizou as relações entre os dois países, mas os jugoslavos mantiveram sua autonomia geopolítica. Isso permitiu a Tito liderar o Movimento Não-Alinhado, que se tornou uma força expressiva no Terceiro Mundo da década de 1950 à de 1980.
Tito e seus seguidores eram socialistas, e o sistema político estabelecido no país após a guerra foi o socialismo. Inicialmente a Jugoslávia manteve-se alinhada com a União Soviética de Stalin. Mas já em 1948 Tito afastou-se das diretrizes impostas pela União Soviética e definiu um modelo próprio de socialismo. Uma das características desse modelo era a autogestão das fábricas pelos operários. A partir de 1953 foi autorizada a dissolução das comunas rurais e o ressurgimento da pequena propriedade urbana. Mas o maior mérito do regime chefiado por Tito foi a manutenção da unidade de um país que congregava diversos povos, de culturas e religiões diferentes, alguns inimigos há muitos séculos: sérvios (cristãos ortodoxos), croatas (católicos), eslovenos (católicos), bósnios (muçulmanos), húngaros e albaneses, entre outros. Apesar dessas diferenças, enquanto Tito viveu a Jugoslávia usufruiu de um período de estabilidade política. Quanto à economia, em 1967 foram feitas reformas para alcançar o que era denominado socialismo de mercado. Tratava-se de uma tentativa de combinar a livre iniciativa com alguns princípios socialistas e melhorar o desempenho do setor produtivo. Nessa difícil passagem para a economia de mercado, sobreveio um período de crise, com desemprego, inflação e endividamento externo.
Outro dos países que tentou desafiar a influência soviética foi a Polónia. Sem qualquer tradição comunista, o comunismo na Polónia era imposto pelos tanques do exército russo. Nos anos 50, os polacos apercebem-se que o comunismo afinal não trouxe tudo aquilo que prometera no início e em 1953 dão-se manifestações contra a presença da União Soviética no país. Como resposta, os soviéticos alteram a liderança do Partido Trabalhista polaco e impôem uma mão mais dura no país. Em 1956, dá-se mesmo uma intervenção soviética para que um dos países para lá da Cortina de Ferro não saia da sua influência.
Apenas na década de 80, o Papa João Paulo II apoia as manifestações lideradas por Lech Walesa, um católico devoto e conseguem ambos derrubar o comunismo. Em 1989, a Polónia é o primeiro governo não-comunista do Leste da Europa.
Também na Hungria se deu um conflito que pôs em causa a hegemonia soviética na região. A Hungria era antes um grande império, que foi depois derrubado e entregue à Áustria, formando assim o Império Austro-Húngaro até metade do séc.XIX. Depois da I Guerra Mundial, a República da Hungria conheceu governos de direita pró-fascistas e após a II Guerra Mundial foi ocupada pela URSS. Realizam-se aí eleições e o Exército Vermelho impôe a vitória dos comunistas, facto que causa a revolta dos húngaros.
Em 1952, surge uma linha reformadora no interior do PC- querem reformá-lo do regime soviético, aproximando-o de regimes do Ocidente liberal. Chegam a instituir de volta a propriedade privada, entre outras reformas no sentido do capitalismo. Em 1956, chegam a pedir a Moscovo a independência política e a retirada do Exército Vermelho do país.
É nesse ano que se dá a primeira intervenção militar da URSS na sua zona de controlo: Moscovo ordena o envio de tanques para a Hungria, e como o país é muito plano, os tanques rapidamente avançam e chegam a Budapeste. Aí conhecem resistência dos húngaros e dá-se uma batalha, na capital, entre o Exército Vermelho e o exército húngaro. Fontes do ocidente falam em 2 milhões de mortos e do Leste em 2000 mortos. Após abertos os arquivos oficiais, percebe-se que o número de mortos na batalha de Budapeste se situará perto dos 20.000. Alguns húngaros fugiram para sempre do seu país, entre eles os pais do actual presidente francês, Nicolas Sarkozy. Após a batalha, os russos vencem e instalam no país um novo governo pró-URSS.
Na Checoslováquia dá-se o terceiro conflito deste período. A Checoslováquia é um país nascido do fim do grande Império Austro-Hungaro. Trata-se d eum território muito evoluído tecnologicamente, nomeadamente ao nível da indústria automóvel (cf. Skoda). No pré II guerra, são vendidos pelo Ocidente a Hitler, na base da política de apaziguamento e é o exército Vermelho quem liberta o país, findo o conflito e instala aí um governo pró-russo.
Nos anos 60, surge no país um movimento no seio da comunidade de escritores favoráveis a reformas. Simultaneamente, vence no PC local a linha liberal reformadora, que quer anular a linha conservadora do partido. Começam assim a dar liberdades ao povo, a praticar uma economia de mercado, introduzindo assim praticamente um regime liberal.
Em 1968, Bresnev, secretário geral do PCUS, envia o exército para Praga, para acabar com esta "Primavera de Praga" de reformas liberalistas. A apoiá-lo, todos os regimes comunistas da Europa de Leste menos a Roménia. Dado o carácter pacífico e prático do povo checoslovaco, estes não se sentem capazes de entrar em conflito armado com os exércitos invasores e cedem.
A Checoslováquia só viria a desintegrar-se após a queda do Muro de Berlim, na chamada "Revolução de Veludo", onde não há nenhum conflito armado para derrubar o comunismo e tudo é liderado e conduzido por artistas e escritores.
No Ocidente, também há revoltas, desta vez contra o outro "ocupante", os Estados Unidos da América. O primeiro desse conflito dá-se em França. Charles de Gaulle, um militar oriundo de uma família rica, que participa na I Guerra Mundial, dedica-se após esse conflito a escrever livros e a ser uma espécie de intelectual do exército francês. Porém quando Hitler ocupa a França, retira-se para o Norte de África e regressa depois como libertador do país, impulsionado pelos americanos que são, de facto, os verdadeiros libertadores de França.
A França dos anos 40 e 50 é um país com graves problemas económicos, dividido em vários assuntos, entre os quais a questão das colónias, como o Vietname e a Argélia. Dá-se por esta altura a independência da maior parte das suas colónias, acompanhado pelo crescimento exponencial dos apoiantes do comunismo. Tanto que, a certo ponto, uma guerra civil parecia inevitável. Em 1958 Charles de Gaulle assume o poder e altera as relações no interior do país, refundando a República Francesa e instaurando a V República. Nessa nova França, é introduzido o sistema presidencial, em que o Presidente da República nomeia e destitui o governo. O Presidente da República, em França, é a principal figura no interior e a principal instituição política. Não se trata contudo de um regime totalitário porque há um Parlamento e há constantemente referendos como modo de realizar uma democracia directa.
Charles de Gaulle afirma, no entanto, que caso os EUA não tivessem traído a França e os tivesse apoiado de início na II Guerra, a França poderia ter resistido à invasão Nazi. Por conseguinte, há um sentimento de desconfiança geral em relação à América. Pensa-se antes que a França deve ser forte e investir em tecnologia, armamento, etc. A França, na altura, torna-se o país que contraria tudo o que os EUA fazem, num anti-americanismo galopante. Esta tensão aumenta com a França a dar independência às suas colónias e com a abertura de relações com a URSS. De Gaulle afirma mesmo que se deve quebrar aos poucos a cortina de ferro e conseguir um equilíbrio na Europa.
Tudo isto é permitido pelos EUA porque após a Crise de Cuba a estratégia de ataque norte-americana altera-se: percebem que de repente algo pode correr mal e surge a chamada Doutrina McNamara: a resposta de ataque deve ser gradual, aos poucos, tendo em conta os interesses: “A Melhor Forma de Manter Um Povo Pobre e Subdesenvolvido é Fornecer-lhe Tecnologia Pronta ”. Desta forma, os países mantêm-se sempre dependentes do seu fornecedor e não se desenvolvem.
De Gaulle chega mesmo a visitar Moscovo, investe na Roménia (o grupo Renault é detentor da marca Dacia) e cria grandes tensões na OTAN, retirando-se a partir de 1966: continua a participar politicamente mas não com o exército francês. Esta é uma realidade que ainda hoje se verifica. Dentro da Europa, De Gaulle quer uma Europa europeia e não uma Europa atlântica. Os que proclamam esta última Europa, querem uma Europa intimamente ligada aos EUA. São eles o Reino Unido, Holanda, Noruega, Dinamarca e Portugal, que tem que ter um aliado forte para anular o "eterno inimigo" espanhol. O caso mais flagrante desta Europa atlântica é precisamente português: Durão Barroso fica do lado de Bush na guerra do Iraque e escreve uma carta à Europa chamada "Europa Velha, Europa Nova". Isto rende-lhe a simpatia de Bush que consegue elegê-lo para Presidente do Conselho Europeu.
O outro grande conflito de relações acontece na Alemanha Ocidental. Em 1945, a Alemanha é ocupada e dividida em quatro. Em 1949 os ocidentais proclamam a independência do país e ensaiam o nascimento de um estado novo, a República Federativa Alemã. Este novo país tem um grande handicap: ele não possui armas devido ao acordo pós-guerra e tem um exército pequeno para a altura, de apenas 100 mil homens. Assim, a Alemanha Ocidental passa a utilizar outra arma, o dinheiro. Graças ao Plano Marshall, nos anos 70 a Alemanha Ocidental já é a segunda ou terceira potência a nível mundial.
Numa tentativa de evitar a guerra civil, a Alemanha Ocidental com o Leste, aquela compra a sua segurança. A figura de proa é Willy Brandt, alemão democrata que é um dos fundadores da Alemanha do pós-guerra. Torna-se famoso na Alemanha e no mundo depois da crise de Berlim porque é o presidente da câmara de Berlim Ocidental. Nos anos 60 é um político muito popular e é eleito chanceler da Alemanha. Contudo, uma das suas secretárias é apanhada como espia da Alemanha de Leste e ele vê-se forçado a demitir-se.
Em Portugal, no Porto, existe um busto de Willy Brandt, na Av. Marechal Gomes da Costa. Trata-se de um tributo português feito por Mário Soares pelo facto do alemão ter dado dinheiro a Portugal para a reconstrução pós 25 de Abril. De facto, o que aconteceu foi que Brandt, socialista e amigo de Mário Soares, financiou a sua campanha, impondo assim um caminho democrático em Portugal e evitando a subida dos comunistas.
Willy Brandt fez também uma homenagem sincera aos judeus mortos pelos alemães, pondo-se de joelhos em frente a um monumento erguido em honra daqueles e pedindo um sentido perdão a Deus. Fica conhecido, sobretudo, pela sua Ostpolitik - a política de aproximação ao Leste. Como vimos, Brandt negocia com o Leste, dá-lhes dinheiro e assina um acordo de Paz e não agressão. Assina acordos também com polacos, jugoslavos, checos, etc.
Brandt enfrenta contudo um grave problema: a Constituição da Alemanha Federal não reconhece a existência da Alemanha de Leste, reconhece apenas uma ocupação temporária. Assim sendo, nenhum político pode reconhecer a outra Alemanha e Brandt é forçado a fazer um reconhecimento sem reconhecimento, através de acordos culturais com a Alemanha de Leste mas sempre alegando que, de facto, não existe reconhecimento do outro país.
Tanto se entendem as Alemanhas que a ONU admite-as como dois países diferentes, contrariando as imposições de Washington e no Campeonato Europeu de Futebol as duas participam, por coincidência defrontando-se. Brandt apagou assim um foco de conflito que poderia explodir a qualquer momento, ultrapassando-o. A sua política incentivou vários acordos entre o ocidente europeu e o leste, tanto que em 1975, a Acta Final de Helsínquia reconhece pacificamente todas as fronteiras da Europa. Willy Brandt consegue um degelo e desanuviamento entre as Europas, graças à sua Ostpolitik. É galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
Assim, também a Alemanha e a França se afastam do controlo dos EUA, tornando-se o motor da União Europeia, até há pouco tempo. Brandt e De Gaulle estão na origem de um movimento depois liderado por Helmut Kohl e Miterrand.
31/10/08
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