22/10/08

CP - Aula 2

I - INTRODUÇÃO
1.1. Considerações gerais sobre política
1.2. Enquadramento teórico-conceptual

Em ciência política, o objecto de estudo, a política, é uma área "tão louvável quanto trabalhar noutra área qualquer do conhecimento". O termo política tem a ele associado, por vezes, um carácter pejorativo que é preciso esquecer no estudo de ciência política. Aqui, o objecto de investigação é tradicional, designado no início por estado e mais tarde, no século XX e com o advento de novos métodos que predominam na política e com o lançamento em 1953 do livro "Political System", o objecto de estudo passa a ser o sistema político, com instituições e leis de funcionamento dessas instituições segundo regras democráticas e valores orientadores. A partir de 1953, o objecto de investigação da Ciência Política passa assim a ser o sistema político, com os seus subsistemas (judiciários, territoriais, partidários, etc.).

Por exemplo no caso português, o sistema político português é democrático, uma vez que as instituições são eleitas pelo povo com regras democráticas de uma competição normal e orientadas com o valor máximo da liberdade. É, por isso, um sistema liberal democrático.

Já no que toca ao regime político, o termo vem do Direito e fala-se de um estado de direito: as instituições e regras de funcionamento regem-se pela constituição que é a lei máxima do estado.

A política em si tem a ver com o governo, a gestão, governação das situações sociais. Por situação social entende-se qualquer actividade humana que tenha uma organização: por exemplo o ensino. A política não organiza tudo mas pouca coisa escapa à sua organização. Não existe desde sempre por isso é possível, e alguns autores como Marx falam disso, que deixe um dia de existir.

A política organiza a sociedade através do poder. Este é a capacidade de uma pessoa ou grupo exercer influência sobre outra ou outro. Trata-se, segundo o senso-comum, de uma situação em que "um manda e outro obedece", uma situação social em que isto acontece de forma constante. A obediência, porém, é voluntária e utilitária em política.

Quanto ao poder, este divide-se em três. O poder político é imposto pela força, ameaça de força ou a sua própria utilização. Obedecemos a um governo através da lei presente na Constituição: obedecemos pagando impostos, com a contrapartida de poder usufruir de alguns serviços. No fim, obedecemos porque achamos que assim a sociedade é melhor e funciona melhor. Em segundo lugar, o poder económico, em que a pessoa obedece a determinado facto porque tira daí uma contrapartida económica, geralmente um salário. E por fim o poder ideológico, onde a obediência é conseguida por uma relação afectiva, carismática (religião, partido, etc.)

Assim a política organiza a sociedade exercendo poder e levando os outros a obedecê-lo.

O pai da política contemporânea é Max Weber, um dos primeiros clássicos explicadores da política. Provém de uma família abastada, é protestante e trabalhou como jornalista para o "Frankfurter Zeitung", criticando o Kaiser. Foi um dos criadores da Alemanha de Weimar, depois da I Guerra Mundial. É ele o fundador da Sociologia, ciência que investiga o indivíduo e os grupos, a integração do indivíduo no grupo, as suas regras, etc. Max Weber defende que a essência da Sociologia é a acção social. Tudo decorrente de um acto (como por exemplo um choque entre dois ciclistas) é acção social. A essência da acção social é a motivação, ou seja, no caso dos ciclistas, é a pergunta "porque aconteceu e quem motivou o choque?" O homem participa neste processo segundo a sua razão e a sua capacidade de racionalizar. A racionalização é o principal processo no Ocidente: tudo o que se faz tem que ter fundamento na racionalização.

O pensamento de Max Weber sobre o poder prende-se com o facto deste afirmar que o poder é um fenómeno quase total, difundido na sociedade e ao qual pouco escapa. Afirma também a existência de três situações puras de poder. Em primeiro lugar o poder legal, de obediência, fundamenta-se da legitimidade do poder jurídico: a fonte de obediência é a lei, os sujeitos são os que obedecem e também os que mandam. O governo organiza assim a sociedade prevendo o que é permitido e o que é punido, sendo a Constituição a ordem jurídica máxima, seguida das leis e dos decretos-lei. O segundo é o poder tradicional, que trata de algo que ao longo do tempo se tornou costume: é o poder da tradição, uma vez que estas leis não aparecem escritas. É o poder antecessor à lei da Constituição e embora seja uma lei alterada e arbitrária há algumas regras que se repetem e se tornam aceites. É o caso do Reino Unido, onde não existe uma Constituição mas sim leis baseadas na "tradition". Por fim, o terceiro poder é o carismático, onde a obediência é conseguida pela dedicação afectiva a uma pessoa: o carisma consegue-se quando se demonstra qualidades excepcionais (heróis, profetas, bruxos, líderes, etc.)

A tipologia dos poderes evolui e hoje fala-se, como vimos, de um poder político, outro económico e outro ideológico. Fala-se de um quarto poder, a comunicação social, pela influência que causa nas grandes massas do público.

Porém, todos os poderes convergem por natureza ao poder político, que é aquele que tem maior capacidade de obter obediência.

A democraticidade de uma sociedade mede-se pela separação dos poderes. Dividir o poder é garantia de liberdades e de limitação desses mesmos poderes. Esta é uma ideia antiga que provém de Aristóteles, que divide o poder em deliberatura, comando e judiciário e Hegel, que no princípio do séc. XVIII divide o poder em legislativo, executivo e o poder do príncipe. Montesquieu escreve em 1748 "O Espírito das Leis" e torna-se, ainda hoje, o mentor da divisão dos poderes: diz que a única maneira de limitar a monarquia absoluta é dividir o seu poder em vários sectores, o poder legislativo da assembleia, o poder executivo do governo e o poder civil, ou judicial, que diz que cada pessoa é um cidadão com direitos e deveres. A Revolução Francesa vem separar finalmente os poderes e atribuir liberdades ao homem (enquanto ser interior) e ao cidadão (enquanto detentor de direitos e deveres).

A primeira constituição escrita surge nos Estados Unidos, em 1781, com 25 artigos que sofreram algumas emendas ao longo da História. É uma das Constituições mais curtas e generalistas do mundo. A partir de então, torna-se costume dividir os poderes e em todos os estados democráticos actuais esses poderes estão separados. Por exemplo, em Portugal não se pode ser juíz e deputado ou ministro e juíz: as competências e poderes estão separados.

Em primeiro lugar, o poder legislativo. É o que trata das leis, no Parlamento, que pode ter uma ou duas câmaras. O Parlamento é eleito directamente pelo povo e é a instituição máxima da soberania do estado. Aí discute-se e aprovam-se as leis, ou seja, decidem-se as regras de comportamento em sociedade.

Em segundo lugar, o poder executivo, responsável por executar as leis definidas pelo Parlamento. É o governo, com os seus ministérios, secretarias, direcções, etc, e os seus funcionários públicos, que fazem com que a máquina do estado funcione.

Em terceiro lugar, o poder judicial, que tem o poder para dizer quem está certo quando há alguma dúvida quanto a isso. São os tribunais, cujas decisões somos obrigados a respeitar.

Em resumo, a política comanda a organização da sociedade em consonância com os cidadãos. Estes decidem quais são as regras e obedecem-nas, natural e democraticamente. A divisão entre os poderes permite o controlo do próprio poder e a democracia. Importa neste ponto referir que a democracia é uma forma de organizar a sociedade mas não uma ideologia. A democracia é uma forma de poder, de organizar o estado que se opôe ao totalitarismo.

Quanto à ideologia, esta pode ser encarada no seu sentido forte ou fraco. Do primeiro ponto de vista, refere-se a Marx, que diz que a religião é o ópio do povo e como tal aponta a ideologia como uma forma de subordinar a classe operária, uma forma de enganar e controlar a maioria. Do segundo ponto de vista, aquele que estudamos, ideologia é um conjunto de crenças, propostas e decisões de como organizar a sociedade. Por exemplo, o Liberalismo, que organiza a sociedade segundo crenças nas liberdades individuais, economia de mercado, propriedade privada, etc. Cada ideologia propôe, assim, exemplos práticos de como organizar a sociedade.

Francis Fukuyama, professor universitário norte-americano, publicou em 1989 um artigo intitulado "Fim da História" em que refere que após a queda do Muro de Berlim, as ideologias morreram: depois da queda do muro caíu também o comunismo e como tal termina o choque de ideologias, uma vez que só fica o liberalismo, reinante. Como a História é uma luta ideológica constante, uma vez que passa a só haver uma ideologia, termina também a História. É esta a ideia exposta por Fukuyama no seu livro de 1993 "Fim da História e o Último Homem". Adianta ainda que sendo o Liberalismo e a Democracia por natureza pacíficos, não haverá mais guerras e vai chegar ao ponto em que um homem super evoluído não quererá mais guerrear.

Esta ideia foi recolhida com agrado pelos Estados Unidos, que passam a ser assim os líderes desta nova ordem mundial onde governa o Liberalismo e em nome da Paz e da liberdade justificam uma política externa de agressão: as guerras passam por estes a ser justificadas com razões humanistas.

Passados dez anos do livro de Fukuyama, com os conflitos na Jugoslávia e Médio Oriente, vemos que este estava redondamente enganado. A guerra continua a existir e a ser feita por motivos pouco nobres, que em nada têm a ver com a propagação da Paz e das liberdades.

Outra teoria que se aceitou foi a de Samuel P. Huntington, no seu livro "O Choque das Civilizações". Huntington refere que depois da queda do muro, a identidade ideológica desapareceu e mesmo do ponto de vista económico desapareceu a economia porque esta necessita de um grande espaço para sobreviver, que foi perdido. Assim, fala de civilizações como recuperadoras desse espaço, onde as pessoas partilham valores que lhes interessam. Huntington refere a civilização ocidental, cristã, baseada nos Direitos do Homem e na economia de mercado e liderada pelos Estados Unidos; a civilização ortodoxa, liderada pela Rússia, com uma interpretação diferente do Cristianismo e mais totalitária; a civilização hindu, chinesa, da África negra, latina e por fim a civilização muçulmana, baseada no Islão, sem um país líder definido. Uma vez que as civilizações são um ponto de encontro de pessoas e economias diferentes, estas entram em choque entre si. Foi baseado nesta premissa que George W. Bush decide afirmar que a civilização muçulmana já entrou em choque com a ocidental, procurando assim justificação para as suas ofensivas militares.

Contudo, quer um quer outro estão errados. As ideologias continuam bem vivas, como se assiste agora, com o neoliberalismo desenfreado dos últimos anos a produzir uma grave crise do Liberalismo e a provocar uma profunda discussão ideológica. A ideologia irá sempre continuar viva, não se sabe é entre que opostos esta vai funcionar. Hoje em dia, fala-se apenas de uma dialéctica entre esquerda e direita e entre estas e o totalitarismo. À direita pertence o Liberalismo (centro direita), o Conservadorismo e a Direita Extrema. À esquerda, todas as divisões se situam mais perto ou mais longe da doutrina de Marx: Socialismo, Comunismo, Anarquismo, Maoísmo, Estalisnismo, Trotskismo, etc...

Começando com a Direita, e com o Liberalismo. Trata-se de uma ideologia intimamente ligada à burguesia e ao capitalismo. A burguesia provém do francês "bourg" que designa cidade pois tratava-se de trabalhadores que moravam frequentemente nos burgos. É utilizada aqui com um sentido neutro, de uma classe que liderou o processo de destruição do Antigo Regime. A burguesia lutou pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Liberdade para os oprimidos mas sobretudo liberdade para poderem produzir o que queriam sem pedir autorização ao monarca e fazer circular os seus produtos, para assim enriquecer. Igualdade entre todas as classes, de forma a que todos paguem impostos e não apenas os trabalhadores: dessa forma haveria mais dinheiro de investimento e a nobreza empobrecia. Fraternidade num vislumbramento da justiça social. A burguesia traz assim o quadro liberalista como ideologia. Traz também o capitalismo enquanto forma de economia. O capital é tudo o que pode servir de moeda de troca e pode ser móvel ou imóvel. O Antigo Regime não permite a liberdade de capital pelo que a burguesia a impôe.

O Liberalismo tem três ideias profundas, no sentido de anular o Antigo Regime. São elas o naturalismo hedonista, o racionalismo e o individualismo. O primeiro diz respeito ao facto de estarmos na vida terrena e de ser aqui que devemos buscar o prazer: a vida é para usufruir, para se gastar e ter prazer com isso. Esta alegria consumista de viver entra em choque com a ideia cristã de que a vida é "um vale de lágrimas". O racionalismo prende-se com o Iluminismo e a sua explicação do mundo através da Razão: o Homem é capaz por si só de perceber tudo e está livre para o fazer. O individualismo, por fim, instala uma sociedade em que cada um trata de si e da sua vida, fazendo-o da forma que melhor entende e não sob a alçada do monarca.

No que toca à liberdade propriamente dita, esta divide-se em quatro estilos de liberdades. Em primeiro lugar, a liberdade natural, que proclama que o homem aparece livre na Natureza. Thomas Hobbes, filósofo britânico, apoia-se em "Leviathan" para referir que o homem é fraco e medroso na Natureza, precisando para isso de acumular bens de forma a sentir-se mais seguro. A luta pelos bens está patente já na expressão latina "homo homini lupus": para o homem, o homem é um lobo. No entanto, segundo Hobbes isto pode ser ultrapassado se houver lei, se houver uma força que nos obrigue a ter um comportamento pacífico. Desta forma, a verdadeira liberdade é quando nos toleramos e nos organizamos de forma a respeitarmo-nos: sem lei, a luta de todos contra todos é permanente.

A liberdade racional, por seu turno, baseia-se em Hegel. Hegel, que entre muitas outras coisas afirma que é no resto positivo das guerras que a Humanidade avança, diz sobre a liberdade que a essência do homem é o desejo. Esse desejo desenfreado pode ser controlado através da lei, limitando-o a não roubar o outro. Assim, segundo Hegel, a verdadeira liberdade é limitar a liberdade e consegue-se através da racionalização, que nos permite controlar o desejo: racionalizando conseguimos assim controlar tudo.

A liberdade libertadora é uma auto-emancipação: o homem aprende e aprendendo coisas vai evoluindo e desse forma tornando-se mais seguro, mais satisfeito. Quanto mais satisfeito e seguro, mais controlador de si próprio e desta forma mais livre. Assim, esta liberdade diz que quanto mais se conhece, mais livre se está.

Por fim, a liberdade sexual. O desejo sexual é um dos mais fortes no homem, que nasce inconscientemente com ele e nunca acaba. Nos anos 70, Sontag publica um livro que origina a luta pela liberdade sexual da mulher. Daí surge um movimento que revoluciona toda a forma de pensar a liberdade sexual e tenta institui-la nas escolas, lutando contra os mais conservadores. Trata-se de uma ideia que libertou muito as tensões existentes entre o homem e a mulher e entre eles próprios mas que desembocou na pornografia, que deixa de ser liberdade para passar a ser perversão.

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