07/10/08

HMC - Aula 3

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL *
3.1. Causas da guerra
3.1.1.Imperialismo
3.1.2. Hegemonia do Império Britânico
3.1.3. Desafio do "Segundo Reich"
3.2. Quatro anos de guerra
3.3. Conferência de Versalhes

As alterações decorridas do século XIX trazem à Europa uma nova configuração, no plano político e económico. Graças ao advento da indústria, a economia cresce, permitindo às populações viverem uma "belle époque" de progresso, liberdade e luxo, num clima de prosperidade que parece inabalável. Na Europa do início do século XX existem 5 principais potências: em primeiro lugar, o Império Britânico, a potência hegemónica, o estado mais poderoso "onde o Sol nunca se pôe". É a maior potência colonial, a maior praça financeira, onde existem os maiores bancos, onde é ditada a moda, as tendências e onde o luxo assume a sua face mais visível. Rival do Império Britânico, a potência desafiadora, a Alemanha, que depois da unificação é o maior produtor da Europa, possuindo também a maior indústria. Aparece em terceiro lugar a França, com as suas colónias e em quarto a Rússia, com o seu imenso império, cujo trans-siberiano demora duas semanas a percorrer, de São Petersburgo a Vladivostok. Por fim, a Itália unificada com a sua indústria em pleno desenvolvimento.

Tratam-se todas de potências liberalistas, mesmo a Rússia que começa a introduzir o liberalismo aos poucos. Uns são repúblicas, outros monarquias constitucionais, com maior ou menor nível de democracia mas transversais a nível político, onde não existem grandes disparidades. A razão que está por trás da I Guerra Mundial não é uma razão política mas sim económica. As nações apercebem-se de que para haver grande lucro tem que existir um grande território uma vez que a especialização requer um grande espaço de expansão: as colónias servem para escoar os produtos produzidos, obtendo lucro, mas também para obter as matérias primas. Só um império produz lucro e prosperidade e daí a formação de grandes impérios europeus, a conquista de novas colónias, incondicionalmente ligadas à metrópole. No início do século XX, imperialismo é sinónimo de lucro, de crescimento económico. O termo tem nesta altura uma carga económica.

E como estavam distribuídas as colónias? Reino Unido e França detinham a maior parte das colónias noutros continentes, deixando Alemanha e Itália sem territórios mas com necessidade de obter matérias primas e escoar produtos em excesso. Nesta altura, a Alemanha desenvolve a sua marinha comercial que vai vender produtos às colónias alheias, facto que desagrada os britânicos. Mais tarde, a Alemanha desenvolve também a marinha de guerra, para proteger a marinha comercial. Para os impérios instalados e para os estados emergentes, a exportação é questão de sobrevivência e daí ter aumentado exponencialmente a tensão entre o Reino Unido e a Alemanha, que se confrontam em conflitos menores nos Urais e Marrocos, promovem propaganda um contra o outro e desafiam-se em incidentes que duram duas décadas.

Também a Itália reivindica colónias para si. E quanto à Áustria, disputa com os enfraquecidos turcos o território dos Balcãs (balcã é montanha em turco), local estratégico de ligação entre a Europa e o Médio Oriente. A Áustria também não tem colónias, sendo os Balcãs o único espaço físico que têm para se alargar. Porém, os Balcãs estão também na mira da Rússia, que quer controlar o território de forma a chegar a mar quente e aberto e assim conseguir comércio com o resto do mundo. Todos estes factos provocam um aumento permanente da tensão e da rivalidade económica.

A última gota cai em Sarajevo. No dia 28 de Junho de 1914, o Arquiduque Franz Ferdinand visita a cidade de Sarajevo. Vinte e oito de Junho é considerado um dia nacional de extrema importância para os sérvios e a visita é tomada como provocação. O arquiduque, praticamente o imperador da Austria-Hungria uma vez que o imperador real se encontra débil e enfraquecido, é assassinado por um sérvio em Sarajevo juntamente com a sua família e no decorrer da visita. Nunca se provou o envolvimento do governo sérvio no atentado. No entanto, a Áustria culpa a Sérvia por este assassinato e faz ao país um ultimato de 30 pontos, entre os quais a Sérvia aceita todos menos um. Esse ponto não aceite diz respeito à autorização que a Áustria pretende ter para entrar na Sérvia sempre que necessário de forma a procurar terroristas. A Sérvia encara este ponto como uma rendição passiva e não aceita. A 31 de Agosto, a Áustria começa a bombardear Belgrado (cidade que sofrerá mais 2 bombardeamentos no século XX, 1941 e 1999).

Antes deste episódio, a Europa assistira a uma série de pactos não agressão e de protecção entre nações. A Rússia assume-se como protectora dos Balcãs e no decorrer do bombardeamento, declara guerra à Áustria. A França e o Reino Unido chegam, após séculos de guerras, a um "entendimento cordial" ao qual a Rússia também adere, formando o "Triple Entente". Também a Áustria, Alemanha e Itália, que partilham o mesmo problema da falta de colónias, formam uma aliança, o "Eixo Central" ou Tríplice Aliança, com vista a protegerem-se mutuamente. São dois blocos militares, com tensões entre si prontas a explodir.

E que após o bombardeamento de Belgrado, vão declarando guerra uns aos outros, tanto que pelo início de Setembro de 1914 todos estão em guerra. A Áustria com a Sérvia e com a Rússia, a Alemanha com a Rússia e França, a França com a Áustria e até o Reino Unido, que após a invasão alemã dos neutrais Bélgica e Holanda, teme a aproximação ao seu território e declara essas ocupações como graves violações dos direitos do Homem. Existem duas grandes frentes de guerra: no Báltico ao Mar Negro, com a Rússia e os seus 15 milhões de soldados a debater-se contra a Alemanha e a outra frente, entre o Eixo Central (à excepção de Itália) e o império franco-britânico. São guerras de trincheiras, com pouca tecnologia, que duram quatro anos e onde não se consegue nenhuma vantagem em batalhas campais.

Toda a economia está, no entanto, a ser orientada para a guerra, tanto que em 1916 a Rússia, por exemplo, já não suporta a guerra e começa a ter sérios problemas de insatisfação interna. Tanto que em 1917, Lenine, que já havia advertido para os perigos do Imperialismo económico, consegue derrubar o governo e decide acabar com a participação da Rússia na guerra. Assim, Lenine organiza negociações e Paz separada com a Alemanha e a Áustria. Como consequência, a Rússia perde vários territórios (Finlândia, Polónia, Ucrânia, Moldávia...) mas vê a Alemanha retirar todo o exército dos Balcãs e direccioná-lo para o Ocidente. Facto que deixa a França e o Reino Unidos temendo pelo desenvolvimento da guerra.

É nesta altura que aparecem os Estados Unidos. Estes entram na guerra e transferem para a Europa 2 milhões de soldados, com tanques e metralhadoras que lhes permitem guerrear 24 sobre 24 horas, trazendo à Europa uma supremacia tecnológica que vai colocá-los em vantagem na guerra. Trata-se de uma entrada crucial que resolve a sorte da I Guerra Mundial.

Antes, os Estados Unidos tinham uma política externa de isolacionismo, no século XIX com James Monroe. Interessava-lhes conquistar território no Sul, ao México, tendo para isso um pequeno exército que facilmente derrotava as intenções mexicanas. Metade do México foi "roubado", assim como foram conquistadas as terras índias na sua totalidade. O isolamento serviu-lhes também para desenvolver a sua indústria, tornando-se uma potência mundial, com um crescimento anual económico na ordem dos 100 por cento.

A razão formal do ataque americano à Alemanha teve na base o afundamento do navio americano "Lusitânia". Os americanos defendiam a liberdade, o liberalismo, e apontaram o Kaiser alemão como responsável da guerra, o único a cultivá-la e a expressão do terror. De facto, Guilherme II tem uma atitude déspota ao despedir o Chanceler Bismarck e psicologicamente tem uma relação de ódio e amor com os britânicos uma vez que a sua mãe é britânica e sua avó a raínha Vitória: Guilherme II culpa a sua mãe pelo facto de ser aleijado num braço, devido a consecutivos casamentos entre familiares e torna-se assim um homem difícil e intransigente, num estilo autocrático e pomposo. No entanto, nem tudo é mau nesta Alemanha: há apenas 10% de analfabetos, as mulheres já podem votar e toda a cultura apreciada no resto do mundo provém dos países do Eixo Central.

Não obstante, os EUA iniciam uma campanha anti-alemã, proibindo tudo o que é alemão incluindo as composições de Beethoven. Isto de forma a convencer os americanos a entrar na guerra. Mas qual é a razão real do envolvimento dos EUA na I Guerra Mundial? A economia. A fim de poderem fazer frente à Alemanha, França e Reino Unido tinham-se endividado em créditos com os EUA para a produção de materiais de guerra. A Alemanha, por seu lado, produtora de ferro, não quer os créditos dos Estados Unidos. Depois da desistência da Rússia, os EUA têm que assegurar que os seus devedores ganham a guerra, sob pena de perderem todo o investimento. Essa intervenção leva ao rendimento da Alemanha, em 11 de Novembro de 1918.

Na I Guerra Mundial, os perdedores são a Rússia, que vê serem-lhe retirados vários territórios, a Alemanha, que além de perder algum território, tem que pagar indemnizações extraordinárias (é averbado um "dictat" de condições à Alemanha) e o Império Austro-Húngaro, que se dissolve, dando origem ao aparecimento de muitos estados. Quanto à Italia, a sua neutralidade foi causada pela promessa do Reino Unido em dar-lhe territórios austríacos. No fim da guerra, as suas ambições no Adriático ficaram aquém das expectativas: não perdeu mas não ganhou também.

Quando aos vencedores, a França e o Reino Unido preservam as suas colónias, embora este último tenha visto a sua situação económica entrar em declínio acentuado, numa rota descendente que nunca mais foi invertida. Os grandes vencedores foram os Estados Unidos, que durante a guerra duplicaram a sua produção e cresceram 100% em cada um dos quatro anos. Com a guerra, os Estados Unidos ganharam tanto que "enlouqueceram", dando origem aos "loucos anos 20" em que o dinheiro sobrava e era gasto sem limites.

Entre as consequências da I Guerra Mundial, está também a formação de novos estados, como a Checoslováquia, a Polónia, a Finlândia, entre outros, tendo duplicado o número de estados na Europa. A Conferência de Versalhes, na famosa Sala de Espelhos do palácio, convoca os 28 países vencedores da guerra. Incluindo Portugal. Portugal vê-se "obrigado" pelo Reino Unido a enviar cerca de 50 mil soldados para a Flandres. Ou entravam na guerra ao lado do Reino Unido ou este invadia o país. Perante o facto, o governo envia as tropas para a Flandres, onde devido ao frio e à falta de preparação, apenas numa batalha morreram metade dos soldados portugueses.

A figura que lidera a Conferência de Versalhes, em 1919, é Woodrow Wilson, presidente norte-americano, intelectual democrata. O presidente questionou-se acerca da razão porque os europeus, de diferentes países, etnias e religiões, vivam em Paz nos Estados Unidos e não se entendiam na Europa. Encontra resposta a esta pergunta na existência de lei que impede as rivalidades e os obriga a conviver. Segundo Wilson, se houver lei os povos entendem-se e nesse sentido há-que instituir um tribunal e uma organização com capacidade de obrigar os estados a respeitar esta decisão.

É então criada uma lei com 14 pontos, 8 obrigatórios e 6 com implementação no decorrer do tempo, entre os quais a igualdade dos povos, diplomacia aberta, liberdade de comércio, etc. Reforça-se as competências do Tribunal Internacional de Justiça e é criada a Sociedade das Nações, com sede em Genebra e com vista à manutenção da Paz. O papel da Sociedade das Nações vê-se, no entanto, bastante limitado: de volta aos EUA, Wilson não consegue que a adesão dos EUA à SN seja aceite no Congresso. E com a ausência dos EUA e da União Soviética, a Sociedade das Nações é incapaz de decidir e o idealismo wilsoniano falha.

A I Guerra Mundial deixa marcas intensas na sociedade: vinte anos depois da guerra ainda não havia nascimentos suficientes em França, por exemplo. A guerra acabou mas os tempos que se avizinham na Europa são muito conturbados e difíceis.

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