(Resumo do primeiro texto do livro de António Esteves e José Azevedo)
Metodologias Qualitativas - Perspectivas Gerais, António Joaquim Esteves
Por estarem separadas dos restantes níveis que fazem parte da estratégia de investigação (metodológico, teórico e espistemológico), o tratamento das técnicas qualitativas e quantitativas é por vezes feito num esquema artificial.
Os modelos deterministas apontam para uma particular "configuração do real" que privilegia o princípio da totalidade e o postulado da elevação e estabilidade da realidade. A supremacia do quantitativo é atribuída na Sociologia enquanto o fenómeno social for constante e ocorrer no seio de um contexto, obedecendo a uma concepção orgânica da sociedade. Quando assim não é, o sociólogo contenta-se apenas com o estabelecimento de relações entre os fenómenos.
Hoje em dia, a sociedade requer outras construções teóricas, seja pela emergência de novo tipo de social, onde prevalecem relações sociais de carácter electivo, seja pela convivência entre o individual e o universal. Isto significa que os estudos quantitativos devem ser complementados com estudos qualitativos.
A construção caracteriza a sociedade como configuração social pois está na base da Sociologia como saber produzido a partir da interrogação do sociólogo. Os estudos qualitativos são os meios mais adequados ao estilo de produção e circulação de sentido neste tipo de assuntos sociais.
Karl Meter fala de "metodologia descendente" e "metodologia ascendente" como forma de quebrar a clivagem marcante entre o qualitativo e o quantitativo e criar assim modos mais construtivos de organização da metodologia sociológica.
Assim, as amostragens consideradas como menos rigorosas no estudo quantitativo, tornam-se indispensáveis (amostra intencional, acidental ou bola de neve). Um estudo mais intensivo do que extensivo torna inevitável um prolongado trabalho de campo, assim como a presença continuada do investigador num processo artesanal, próprio e ininterrupto, de teorização.
Os estudos quantitativos dividem a investigação sociológica em dois trabalhos distintos e separáveis: a construção e a execução. A teorização é intensa na fase inicial, implícita ou ausente na fase da recolha, intensa eimaginativa na fase de análise de dados. Nas metodologias qualitativas, ocorre o contrário.
Além disso, os esforços de investigação prendem-se com a descoberta das diversas formas tipificáveis, a invenção de mecanismos por elas responsáveis, tanto quanto a determinação da sua extensão e distribuição. Fica sempre bem marcada a ligação da teoria ao processo de observação e a sua emergência no próprio terreno.
A afirmação generalizada do contrutivismo e da construção da realidade como pressupostos básicos está também no topo do tratamento de metodologias qualitativas. No entanto, da afirmação de que tudo é contrução a esse pressuposto vai toda uma transformação que substitui um princípio heurístico por um axioma ontológico.
Algumas teorias eliminam qualquer abordagem causal ou explicativa de fenómenos. Outros evocam processos variados da construção da realidade (mental, colectivo/ objectivo, subjectivo, etc). Por outro lado, no plano ontológico, os que de tanto sublinhar a construção social acabam por esquecer a realidade consistente, a força das coisas e por outro lado os que não renunciam à existência da realidade por mais que se debata o seu significado.
Por fim, na combinação destas duas posturas (epistemológico e ontológico) ressalta-se certas "descoincidências" que tendem a unir aspectos das duas tendências. Posições fora do processo sistémico que transforma tudo em contingente.
Outro problema geral dos estudos qualitativos é o que deve o investigador resolver a propósito da compreensão dos fenómenos em estudo: o risco da parcialidade é grande e grave. O autor é sempre colocado na origem da determinação do sentido do que produz. A interpretação é um processo perigoso para a subjectividade do autor.
Há também a pergunta sobre se será o sentido produzido em resultado de outros princípios válido para sobrepor-se ao sentido do actor, em primeira pessoa. Se por um lado o processo de sentido não se pode esgotar na força que inicia esse processo, também é certo que nenhum processo de empatia do investigador pode ficar refém da sua subjectividade ou sentido. O próprio texto ou a própria obra funcionam como outro princípio de decifração do sentido. A materialidade da obra e a objectividade do texto constituem o lugar por excelência de determinação do sentido: o estruturalismo prescinde do autor e escolhe a estrutura da obra como espaço do sentido possível. Segundo Michel de Foucault, o enunciado será definido pela ligação a outros enunciados que lhe são contemporâneos e não pelo seu autor.
No que toca às relaçõe sociais, este princípio varia consoante a estrutura se forma em torno de relações normativas, de exploração ou dominação, de interesse ou dom. Em qualquer uma delas, porém, são as coordenadas objectivas das relações sociais que permitem estabelecer o sentido.
Os dois princípios de determinação do sentido (autor e obra) deixam de fora um terceiro, o do contexto de produção. A dimensão contextual (condições sociais, geograficas, históricas) em que a produção cultural se desenvolveu só podem ser deixadas de fora no processo meramente analítico.
Outro princípio de determinação do sentido de actividade humana é o público, na sua multiplicidade de espaços, tempos e competências. Mead e Escarpit apontam para o facto de que o escritor, quando produz, tem sempre presente a ideia de um público, quanto mais não seja ele próprio. Porém os públicos não aparecem apenas nesta função de interlocutor na criação cultural e acção social: eles são determinantes no significado da obra humana, à semelhança do interaccionismo simbólico. Ideia irreversível é a de que o processo de recepção é um elo incontornável no que toca à decifração e criação do significado.
Sem deixar de lado eventuais clivagens entre o autor e os públicos e entre os próprios públicos, o processo interpretativo devolve à comunicação, com todas as suas limitações, o lugar central na constituição do significado tal como na constituição da sociedade.
Hoje em dia, deve-se privilegiar a integração das vantagens de cada uma das perspectivas, de forma a obter uma metodologia de maior alcance.
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