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17/10/08

MIC - Aula 2

SECÇÃO 1: TEORIAS E ABORDAGENS GERAIS ÀS QUESTÕES DE iNVESTIGAÇÃO.
I- Principais paradigmas.

O facto das ciências sociais lidarem com um tipo de conhecimento que rompe com os outros, os não racionais, designadamente os religiosos e tecnológicos, e, envolvendo todos estes, o senso comum, faz com que as ciências sociais sejam diferentes das ciências naturais: estudamos a realidade em que nós próprios vivemos ou que nos é estranha mas da qual temos pré-conceitos. Estes são um conjunto de elementos que nos explicam à partida uma realidade.

Assim, o método experimental é pouco utilizado nas ciências sociais. As ciências naturais têm uma realidade muito mais lata do que as ciências sociais: água é água, igual em todo o mundo. Já os indivíduos não são todos iguais, o que significa que a quantidade de variáveis, ou seja, de factores, que estão em jogo num simples pequeno grupo de quatro indivíduos que se queira colocar numa experiência, é tão grande que dificilmente isolamos os factores explicativos de um determinado processo. Cada indivíduo traz uma quantidade de factores mas nós não estamos a lidar com a pessoa em si, uma vez que somos todos antes disso, indivíduos sociais. Por exemplo, mesmo a idade constitui um factor social na medida em que implica um conjunto de características dos conjuntos etários que distinguem uns indivíduos dos outros.

O laboratório, em ciências sociais, é assim um artificialismo do descontexto juntamente com os factores que cada indivíduo traz: uns são mais parecidos do que outros, consoante os factores de diferenciação. Não é fácil, assim, reconstruir em laboratório uma situação nas ciências sociais: por exemplo no “Big Brother”, os concorrentes abstraem-se da câmara mas só em alguns comportamentos: na maior parte das vezes estão bem conscientes de que o observador está lá e interagem com ele. Não é fácil reproduzir os comportamentos da vida social.

As experiências em ciências sociais levam-nos a estudar com mais frequência, por exemplo, as projecções das realidades biopsíquicas: por exemplo, o facto de num ambiente totalmente desconhecido nos parecer que reconhecemos as feições familiares de alguém, ainda que à segunda vista essa pessoa não tenha nada de familiar. Há também as experiências do “intruso” no grupo: experiências em contexto real que são bastante complicadas do ponto de vista ético pois coloca-se um “intruso” no seio de um grupo, como uma escola ou um grupo que aguarda uma entrevista de emprego, de forma a observar lideranças, comportamentos, etc. Por fim, o observador participante: um investigador que está no seio de uma comunidade, vivendo efectivamente nela. O observador tem que viver um tempo longo e aprender a viver como os membros dessa comunidade.

O cientista social deve ter consciência de que nunca perde a sua exterioridade, facto que seria necessário para uma objectivação mais rigorosa. Por outro lado, temos a possibilidade de compreender por dentro aquilo que estudamos, porém sempre de maneira limitada: ponho-me no lugar do outro e estudo-o, mas nunca sou o outro nem nunca sei tudo sobre ele. Por isso, temos sempre que estar muito críticos à relação ambígua com a realidade que estudamos e daí a importância de um diário de campo pois factos que vemos hoje, amanhã já integramos em nós e já não vemos. Marc Augé fala precisamente que a vida é a relação permanente entre o que lembramos e o que esquecemos. O que esquecemos é o que nos fica no corpo, tornando-se natural, transformando-se em conhecimento sedimentado. Por isso mesmo, o observador sai por vezes do contexto que estuda para recuperar distância do seu objecto de estudo, para voltar a lembrar-se de factos que havia já integrado em si e por isso esquecido.
Da mesma forma que os cientistas naturais querem identificar as causas dos fenómenos, também os cientistas sociais querem explicar os fenómenos e as suas causas e razões. Propõem-se assim a explicar as realidades objectivas que condicionam determinados comportamentos, como por exemplo o suicídio.

Max Weber, no seu livro “Economia e Sociedade”, faz uma crítica às teorias marxistas, depois de aceder também aos trabalhos de Durkheim. Weber desenvolve as suas teorias defendendo que o cientista social tem que perceber que cada facto de estudo é singular sem cair, no entanto, na atomização. Os indivíduos agem e reflectem, tendo relações de poder mas não apenas no que toca às classes sociais, como defende Marx. Para Weber, as dinâmicas entre os indivíduos não são apenas motivadas por ordem económica. Os grupos distribuem e accionam o poder independentemente do poder económico: há grupos sociais, como por exemplo os alunos de uma aula, em que o poder económico não reflecte qualquer importância. Há antes um poder simbólico, cultural, que todos os indivíduos possuem. Por exemplo, quando dizem que alguém tem “cara de professor”. Por outro lado, tal como nós tecemos considerações sobre nós e os outros, também temos que compreender que os agentes percebem efectivamente os seus actos, produzindo e atribuindo-lhes sentido.

Alguns cientistas sócias são mais determinísticos e dizem, por exemplo, que se a mobilidade social não for acompanhada por outros recursos, nomeadamente culturais, esta não é reconhecida: a traição do modo de se representar ao mundo na mobilidade social é duramente criticada. Os empresários, cuja situação económica é alta, nem sempre acompanham esse crescimento económico com crescimento cultural. É no binómio entre a exterioridade e a interioridade que o cientista social tem que trabalhar. Ou seja, o paradigma qualitativo e quantitativo. O interaccionismo simbólico fala do quê que a sociedade impõe ao grupo que o transcende, a estrutura, de um ponto de vista mais singularizante. O interaccionismo é defendido também por Max Weber mas também Bourdieu diz que todos temos uma posição no mundo social, que se define por um conjunto de recursos que possuímos. Temos um determinado volume de capital inserido numa estrutura de capital, que nos permite uma representação. Temos sempre uma representação da nossa posição social e dos outros, estes últimos baseados na estrutura do capital.

A observação e o interaccionismo funcionam mais na escala das micro-estruturas: Bourdieu refere que “uma visão do mundo é sempre uma divisão do mundo.” Por outro lado, não existe singularidade sem contexto.

A ciência surge assim com vários campos de análise, compreendendo uma descrição, uma narração (restituindo dinâmicas de processos e relacionando-se com factos e acontecimentos), uma compreensão e uma explicação, que procura a reconstituição dos porquês.

A problemática das disciplinas, sempre acompanhada da lógica na investigação científica, pressupõe uma correcta definição de um problema que nos levará à formulação de hipóteses, baseadas nas teorias disponíveis, na informação disponível e também em algum trabalho de imaginação e invenção teórica. O passo seguinte é a pesquisa empírica, com a recolha e tratamento de informação e testes de validação das hipóteses teóricas, que nos conduzirá depois à produção de interpretações no sentido da resolução do problema. Daqui surge o conhecimento (eventualmente aplicável sobre os processos investigados); o desenvolvimento das teorias disponíveis (informações, corroborações, modificações); o desenvolvimento das problemáticas de referência e também o aparecimento de novos problemas científicos.

Os métodos quantitativos pressupõem uma objectivação pelo que é mensurável. Pressupõem também uma extensividade, ou seja, o estudo de grandes populações (amostra larga) e um tratamento estatístico dos dados recolhidos. Os métodos quantitativos requerem ainda a captação de uma “fotografia”, ou seja, a definição do momento em que as perguntas vão ser feitas, seja às pessoas ou aos documentos. Depois, o cientista vai agrupar, classificando de forma pertinente e de forma a que seja acessível: não se consegue trabalhar com cinco milhões de pessoas mas consegue-se trabalhar com cinco grupos etários. Após o que se vai operando vários recortes, várias variáveis e limpando tudo o resto. Por isso, é importante decidir bem a amostra.

A amostra é uma representação do nosso universo de estudo, do ponto de vista probabilístico, ligando-se aqui à representatividade estatística e do ponto de vista não probabilístico, ligando-se aqui à representatividade sociológica. Para bem definir a imagem de uma amostra, recorremos à comparação com uma modista e as suas amostras de tecidos, uns maiores para que se perceba bem o padrão, outros mais pequenos porque o padrão é todo igual. Também os métodos qualitativos têm amostras, por vezes. Por exemplo, a questão da profissionalização dos artistas com a selecção de casos para um trabalho de profundidade sobre a questão.

No que respeita à representatividade estatística, quando se diminui a margem de confiança, aumenta logicamente a margem de erro. Devo sempre saber o que vale, assim, a minha amostra e também o que falta.

Quanto à representatividade sociológica, nunca sei realmente o que falta e daí dever-se dizer “os inquiridos” e não “os portugueses”. A amostra aqui não é estatisticamente representativa, uma vez que a probabilidade é desconhecida.

A amostra probabilística pode, desta forma, ser aleatória simples, com uma tiragem sistemática, acarretando os perigos que são conhecidos neste tipo de amostra. A amostra aleatória simples funciona unicamente em populações com um grau de homogeneidade máximo e não em questões muito latas: por exemplo, posso tirar aleatoriamente um certo número de representantes de um grupo de raparigas louras, se o que eu quero estudar é os géneros de cabelo louro que há; não posso fazer o mesmo estudo quando na minha população existem louras e morenas pois posso correr o risco de só escolher aleatoriamente as morenas. Da mesma forma, não posso numa turma de alunos escolher aleatoriamente 5 alunos e fazer daí o meu estudo sobre a turma no geral.

A amostra probabilística pode ainda ser estratificada, recorrendo a estratos homogéneos da população que pretendo estudar, ou através de unidades e “cachos”, através de um conjunto de unidades vizinhas (cachos) ao nível das quais se operam subamostras. Por exemplo, a sondagem aureolar, com vários graus e multiepática.

No que respeita à amostragem não probabilística, esta pode ser acidental, correndo riscos semelhantes à amostra aleatória; intencional, recorrendo a uma tipificação da população em estudo; por quotas, com controlo dos conteúdos dessas mesmas quotas; em bola de neve, correndo o risco de ao crescer, arrastar consigo mais do que o desejado; e no local, com um carácter temporal e espacial. Aqui surge o exemplo do estudo da população que foi a um festival. Como estudá-la depois do evento, se já passou, se as pessoas não estão mais ali? Temos que decidir em função do calendário e do programa, por exemplo, distribuindo as nossas acções no tempo e no espaço.

15/10/08

MIC - Aula 1

SECÇÃO 1: TEORIAS E ABORDAGENS GERAIS ÀS QUESTÕES DE iNVESTIGAÇÃO.
I- Principais paradigmas.
No que respeita à investigação aplicada, a informação que recolhemos não é uma operação que dependa directamente ou sequer de cada um de nós: por exemplo, muitos quadros políticos e administrativos suportam decisões com as quais não estão de acordo mas que se baseiam em estudos.

Desta forma, temos primeiro que identificar o que procuramos e em função disso entender a linguagem do que nos pediram: a clareza do problema é fundamental para a investigação. Depois, há-que ter a noção do tipo de informação de que preciso para saber que tipo de elementos vou recolher. Trata-se de saber onde está a informação e de que forma, uma vez que os documentos não existem exclusivamente para nós: temos de saber como foram construídos para saber o que podemos tirar para nós e aí fazer a nossa análise secundária, sabendo para quê que os documentos nos podem servir.

Em relação aos estudos de mercado, é preciso, ao pedi-los, saber o que se quer pedir para que o resultado não saia frustrado: temos que criar uma relação de entendimento com indivíduos que não falam a mesma linguagem que nós.

Por fim, há situações em que temos nós que lidar com o sujeito e procurar a informação, perguntando directamente. Trata-se de uma relação humana e social, com emoções, pré-conceitos, empatias, etc. Por vezes as ideias estão claras mas não se consegue comunicar. Pierre Bordieu afirma mesmo que "A maldição das ciências humanas é terem que lidar com um objecto que fala". Esta frase significa que temos que lidar com indivíduos que não são iguais a nós.

Após decidida a perspectiva de abordagem ao documento, há-que catalogar a informação, produzindo dados estatísticos de análise qualitativa e quantitativa que combinarão o sentido do documento com aquilo que procuramos. Ou então, ir à procura de um dado específico e não médio, quando queremos perceber o que foge à realidade. Os dados não permitem todos o mesmo tipo de tratamento: é importante "não somar batatas com feijões a não ser que se esteja a contabilizar quantos vegetais."

Parte-se então para a interpretação dos dados, onde temos que voltar ao problema, uma vez que a informação, por vezes, diz-nos coisas que não estávamos à espera. Numa perspectiva, produzimos ciência, noutra produzimos informação válida mas não necessariamente ciência. Porém, o que quer que se faça deve ser validado cientificamente, não querendo com isto dizer que a ciência seja a melhor explicação de todas.

Durante muito tempo viveu-se na crença de que o paradigma positivista, no qual a crença de uma explicação única para determinados fenómenos apelava a um acesso absoluto à verdade, era a abordagem mais respeitada. Sabemos, porém, que a ciência não é conhecimento absoluto e que dentro da mesma ciência há interpretações diferentes, que variam consoante o lugar, o cientista ou as provas. Perguntamo-nos agora se será a ciência o melhor conhecimento que podemos construir, sendo que o valor da ciência é diferente do valor que a sociedade atribui à ciência.

No entanto, a ciência é o único conhecimento que é provado e como sabemos, cada problema tem o seu contexto e o mesmo problema pode ser perspectivado de várias maneiras: as condições mudam muito conforme as realidades que estudamos, pelo que a ciência tem que racionalizar as distâncias.

Afastamo-nos cada vez mais de Durkheim, que diz que se deve tratar os factos sociais como coisas, ou seja, as pessoas como um objecto de análise. Nada mais errado: mesmo que nos distanciemos do objecto, ele vai sempre reagir à abordagem. Devemos ser racionais, procurando manter a ideia de que o objecto é uma pessoa que reage. Esta racionalização nas ciências sociais é uma matéria muito complicada de alcançar: toda a observação em ciências sociais é uma relação social directa ou indirecta, de nós com os outros. Eu estou sempre a interpretar, pelo que o Positivismo não pode ser hoje em dia defendido, nem nas ciências naturais.

Temos então sempre uma opinião sobre tudo o que diz o cientista social, tendo a ciência uma validade interna que é geralmente mais valorizada mas que possui regras próprias. É o senso comum que faz o nosso dia-a-dia, sem o qual não existiríamos e a partir do qual seleccionamos informação. Isto vem contradizer o que diz Durkheim, que aponta para a reificação do poder científico, dando um poder social aos cientistas através de regras do método sociológico. Durkheim diz que se há uma ordem natural tem que haver uma ordem social e classifica a sociologia como uma ciência de síntese de todas as outras ciências.

Concretamente, Durkheim estuda o suicídio e classifica-o como um acto solitário cuja explicação vinha da Psiquiatria. Durkheim explica que quanto mais desenvolvido for o país onde se encontra a pessoa, maior a taxa de suicídio o que, entre outros valores estudados, o leva a concluir que o suicídio é uma doença social que depende da anomia, ou seja, o grau de integração ou desprendimento do indivíduo na sociedade. Nas sociedades mecânicas, por oposição às sociedades orgânicas, a taxa de suicídio é maior.

A ciência é um conhecimento específico, com regras, com base na razão. É um modo de ver e interpretar o mundo em que o conhecimento é construído por demarcação com outras formas de conhecimento mas onde a ruptura nunca é absoluta. A corrente científica neo-marxista aponta de novo para o conceito de classe social, embora não existam classes visíveis e separadas mas continuam a explicar estilos de vida em sociedade. As correntes de Marx não são as dominantes porque toda a interpretação de Marx é no sentido político de uma mudança de uma determinada sociedade. Marx tem a perspectiva do conflito, do poder, onde a luta é fundamental na sua perspectiva sobre a sociedade. Já outros perspectivam a mudança através de uma relação harmoniosa: a função entre os grupos sociais, o Funcionalismo.

Através das correntes funcionalistas, estuda-se como podem funcionar em harmonia as classes sociais, tentando perceber para resolver o conflito. Se o conflito marxista leva à revolução, a função leva à harmonização. Os funcionalistas defendem certos momentos, como por exemplo o Carnaval, em que a sociedade pode transgredir as normas estabelecidas. Voltando a Marx, este proclama que o proletariado deve entrar em revolução pois não existe mais capital do que força. Algumas das suas constatações, num determinado tempo, são válidas.

Em relação à dicotomia hermenêutica/ holismo, não existe neutralidade mas é bom que não se caia na total hermenêutica, que é o outro extremo, ou seja, a explicação de tudo pela fenomenologia, pelo existencialismo. As ciências sociais situam-se entre os holísticos e os paradigmas singulares hermenêuticos, caindo, como diz Bourdieu, no "senso comum doutro".

Quanto aos investigadores e cientistas, todos têm um valor social, uns mais que os outros e os que têm maior poder intimidam por isso mesmo. A observação é uma relação social de poder de saber especializado, científico. Assim, é também pela crítica holística que se defende que é preciso explicar. A ruptura com o senso comum significa precisamente que temos que estar mais atentos ao próprio senso comum com o qual rompemos. Ou seja, a estrutura enquanto conjunto de valores, normas, comportamentos e instituições da sociedade que não vemos mas que temos que perceber onde estão. A estrutura influenciando os sujeitos e as práticas e vice-versa. O cientista social deve estar atento a essa relação, ou seja, ao senso-comum.

As estruturas são assim mostradas pelos indivíduos e suas acções: "As estruturas sociais são estruturadas e estruturantes", diz-nos mais uma vez Bourdieu. A. Giddens refere ainda que "Há uma dupla estruturação das estruturas. As estruturas sociais são duais e só existem através dos sujeitos." Assim, os sujeitos são reflexivos, ou seja, exprimem as estruturas e mudam-nas.

Quanto à razão, como paradigma poderemos prestar atenção às teorias sobre o desenvolvimento. Rostow define-nos teorias etnocêntricas do desenvolvimento, modelo que serve de base ao mundo da indústria, por exemplo. No entanto, há teorias que falam da corrupção e exploração dos países em desenvolvimento, apontando-os não como atrasados mas como explorados e reprimidos. Isto significa que temos que olhar para a realidade e vesti-la conforme as suas particularidades, confrontando o conhecimento com a realidade e vendo se a realidade mudou. Os modelos não podem ser enfiados à força na sociedade.

A razão significa uma ruptura com o que parece evidente, perguntando sempre sobre o que está construído (a boa ciência está na pergunta e não na resposta) e colocando uma hipótese que esteja sempre sujeita à prova e à refutação: as hipóteses têm sempre que resistir ao seu contrário.